INTERATIVIDADE COMUNICACIONAL NO TERCEIRO MILÊNIO
Francisco das Chagas de Souza
Em primeiro lugar, quero agradecer aos presentes por esta oportunidade de
estar falando no 15° PBSC, na condição de Conferencista
inicial da programação.
Em segundo lugar, desejo destacar que a abordagem a ser feita nesta fala
vem no sentido de enfatizar a Interatividade Comunicacional no Terceiro Milênio
como um fenômeno que se colocará na condição de
matriz para o cotidiano desse momento histórico.
O conjunto de fatos que arrolo a seguir destacará, dentro dos aproximadamente
4 milhões de anos de existência biológica do homem, vários
acontecimentos indicadores de como a Interatividade Comunicacional está
sendo construída.
Para começar consideremos o gráfico hum como uma representação,
ainda tosca, da idéia de interação comunicacional.
Como se pode ver, esta construção de figuras geométricas
e cores tenta mostrar a possibilidade concreta de uma relação
multidimensional e interacional entre os vários corpúsculos
que constituem todas as formas alcançáveis pelos sentidos e
pela razão humanos.
Nessa relação estão constituídos, idealmente,
os significados e significantes de comunicação e de interação
dados aqui como os dois elementos que compõem este tema. Tanto a comunicação
como a interação são fenômenos que se manifestam
fisicamente e, mesmo quando executados por deliberação humana,
são ações que envolvem a concentração
e desprendimento de energia. Os conceitos que veremos a seguir, colhidos
no dicionário Aurélio, evidenciam a dimensão que tomam
as idéias e expressões comunicação e interação.
De comunicação, pode-se dizer que é ato ou efeito de
emitir, transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos
convencionados, quer através da linguagem falada ou escrita, quer
de outros sinais, signos ou
GRÁFICO HUM
- interatividade comuninicacional
símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro
ou visual. De interação pode-se dar dois conceitos, não
apenas do mundo físico, porém mais nitidamente da ciência
física. Com isso, a partir do primeiro conceito pode-se afirmar que
interação é ação mútua entre duas
partes ou dois corpos; e, a partir do segundo, pode-se afirmar que interação
é força que duas partículas exercem, uma sobre a outra,
quando estão suficientemente próximas.
Combinando os três conceitos (1 de comunicação e 2 de
interação) pode-se perceber que a comunicação
é justamente o que produz e que é produzido pela interação,
isto é, comunicação é ação mútua
entre duas partículas (dois indivíduos fisicamente dados e
diferentes entre si) e é também força que duas partículas
(dois indivíduos fisicamente dados e diferentes entre si) exercem
uma sobre a outra. Nesse sentido é que o gráfico hum é
explicável. Ele mostra tanto processos não lineares de relação
quanto corpúsculos — ou partículas — diferentes exercendo força
ou ação mútua.
Nesse contexto então, podemos perceber que interatividade comunicacional
se constitui como um terceiro fenômeno físico. Não é
apenas o processo da comunicação pois comunicação
é processo e produto e não é somente produto da comunicação
pois comunicação é causa e efeito de emissão,
transmissão e recepção de mensagens que são ações
em si.
Em minha análise, esse terceiro fenômeno físico, no mundo
humano, começa a se constituir mais claramente a partir da existência
do homem que a Arqueologia e a Antropologia Física definem como Homo
sapiens sapiens cuja vida é dada como se iniciando há aproximadamente
32.000 anos.
Por que tomei este marco? Por acreditar que este terceiro fenômeno
físico se define, para além do mundo propriamente físico,
pela ação com intenção e esta se manifesta no
homem a partir do momento em que ele começa a construir o mundo propriamente
humano, ou seja, o mundo do saber. Que mundo é este? E o mundo da
designação dos fenômenos, o mundo da nomeação,
o mundo da distinção das coisas, ou melhor, o mundo que faz
o homem desenvolver o domínio da fala, enfim, o mundo em que o homem
traz ao nível de sua consciência a percepção da
capacidade de construir e a definição ou a decisão sobre
e como poderá fazê-lo. Neste mundo da intenção
se dá, então, por mais de 20 milênios, a preparação
do homem que vai iniciar as ações que o levarão a produzir
os meios articuladores da interatividade comunicacional a ser tornada matriz
do cotidiano do chamado terceiro milênio ocidental, cuja contagem se
inicia com o "nascimento" de Jesus Cristo.
A primeira grande ação desse homem, voltada para a construção
do que o levará à interatividade comunicacional, no sentido
que estamos empregando aqui, foi a invenção da jangada que
se deu há aproximadamente 8.000 anos*.
Foi o primeiro grande esforço de encurtamento de distâncias.
Foi a primeira busca humana dirigida ao encontro de outro indivíduo.
Foi a primeira grande movimentação do corpo físico humano
(uma partícula do mundo físico) no sentido de aproximação
com partículas diferentes a fim de produzir e sofrer impacto ou força.
Passados mais dois milênios e meio, o homem criou dois outros meios
como caminho para a interatividade comunicacional. Tratam-se da invenção
das carroças com rodas e do desenvolvimento da escrita há mais
ou menos 5.500 anos.
Interessante é observar o movimento que se desenvolve. Primeiro a
tentativa de domínio do caminho mais vasto — a água, depois
o domínio do caminho mais imediato — a terra e, por fim, o domínio
do caminho mais duradouro — a escrita que é a própria representação
do pensamento e das ações produzidas a partir deste pensamento.
É, assim, uma trajetória que se vai construindo do geral para
o particular. Do universo físico, do universo inteiro, para o próprio
pensamento para o próprio eu universo.
Passados outros dois milênios, e muitas outras ações
e invenções, o homem criou o alfabeto, há aproximadamente,
3.500 anos. Isto é, dois milênios foram gastos para o aperfeiçoamento
da escrita até esta atingir a uma das mais avançadas tecnologias
fortalecedoras da interatividade comunicacional que é o alfabeto.
Um recurso que, pela sua simplicidade material, deu ao homem a possibilidade
de facilmente assimilá-lo e utilizá-lo com uma maleabilidade
tal que produziu a representação das mais complexas fórmulas
de expressão do discurso e do pensamento oral humano, permitindo a
armazenagem, memorização exponencial, replicação,
reprodução, revisão, restauração, etc.
infinitas vezes desse pensamento e do próprio pensamento escrito.
Com este recurso, a escrita passou a exercer ainda mais fortemente o que
Henri Lefebvre chama de tradição terrorista da escrita.
Pouco depois, há aproximadamente 3.100 anos os fenícios iniciaram
suas viagens marítimas. Isto se deu após quase 5.000 anos de
invenção da jangada. Quer dizer que entre a invenção
deste equipamento e a criação de sucedâneos mais seguros,
mais resistentes a ventos e tempestades, mais amplos, com maior capacidade
de transporte decorreram quase cinco milênios.
Decorrente da existência da escrita e, substantivamente, do desenvolvimento
do alfabeto, encontramos há aproximadamente 2.640 anos a organização
da primeira biblioteca. Não era uma novidade num mundo humano que
já desenvolvera escalas para medidas (há 7.000 anos), desenvolvera
um sistema numérico baseado em 60, concebera a semana de 7 dias e
batizara e denominara 5 planetas e 12 constelações do Zodíaco
(há 3.800 anos) e que estabelecera o Io Código de Leis conhecido
(há 3.775 anos), que produzira a Ia compilação de remédios
médicos (há 3.550 anos) ou que chegara à fórmula
de preparação de pigmentos resistentes ao sol e à água
(há 3.200 anos). Isto é, para a existência desta biblioteca
havia conhecimentos para a produção das bases materiais onde
registrar informações e conhecimento, bem como já havia
um conhecimento suficiente para permitir ordenar documentos para recuperação
posterior.
Outro fenômeno importante no processo de fortalecimento dos caminhos
da interatividade comunicacional humana foi a concepção e construção
de estradas pavimentadas (há 2.312 anos aproximadamente), ou seja,
mais de três milênios após a invenção das
carroças com rodas.
No fortalecimento da produção dos caminhos da interatividade
comunicacional, pela inovação dos recursos materiais colocados
à disposição do registro do conhecimento, surgiram há
aproximadamente 2.170 anos o pergaminho e há 1.891 anos o papel. Ou
seja, materiais escritórios que foram desenvolvidos muito tempo depois
da organização da primeira biblioteca. Isto também quer
dizer que o papel, o pergaminho e o formato livro, como hoje se conhece,
não precedem a existência de coleções organizadas
de informações e conhecimentos.
No avanço do conhecimento fundamental, decorrente do aperfeiçoamento
e provocando maior capacidade de intervenção humana, há
1.186 anos o Zero (invenção hindu) foi acrescentado ao sistema
de numeração arábica cuja introdução na
Europa ocorreu há apenas 794 anos.
Acerca do aperfeiçoamento humano, pela educação escolarizada
e pelo treinamento do raciocínio, encontramos outro processo de interatividade
se constituindo com a fundação de escolas avançadas
há mais ou menos 2.387 anos. Esse processo teve seu salto qualitativo
mais intenso há 1.137 anos com a fundação da Universidade
de Karueein (Marrocos), e há 908 anos com a fundação
da Universidade de Bolonha (Itália), sendo a segunda a pioneira na
Europa.
Nos últimos 800 anos se intensificou a criação de universidades
na Europa. Fazem 792 anos que foi criada a Universidade de Salamanca, 706
anos da criação das Universidades de Lisboa e Coimbra, 649
da criação da Universidade de Praga, 631 da criação
da Universidade de Viena, 611 da criação da Universidade de
Heidelberg, 608 da criação da Universidade de Colônia,
587 da criação da Universidade de Leipzig, 571 da criação
da Universidade de Louvain, 546 da criação da Universidade
de Fircelona, 519 da criação da Universidade de Upsala (Suécia),
518 da criação da Universidade de Copenhage, entre outras.
Em paralelo a isso, mas como produto e produtor, surgiu o primeiro livro
impresso (a Bíblia), por Gutemberg, há 542 anos. Embora já
existindo bibliotecas e coleções de informação
e conhecimento organizadas, o livro, no formato e com o material hoje largamente
conhecidos, vai ser constituído a partir desse momento. E foi esse
livro — o livro impresso, como suporte e transmissor de conhecimento e informação,
que nestes últimos 500 anos veio possibilitar e reforçar a
mais esmagadora experiência humana de intensificação
de sua interatividade comunicacional, chegando quase ao ponto de parecer
um recurso material eterno na memória social e escolar de hoje. Outros
fenômenos, porém, vieram em seguida para expressar que o livro
impresso é somente uma das contribuições do homem e
para o homem, na construção de sua interatividade comunicacional.
Até agora o que vimos nesta fala foi o esforço humano em reduzir
distância física. Daí a construção das
jangadas, das carroças com rodas, da pavimentação de
estradas, ou da domesticação dos cavalos (há aproximadamente
4.000 anos). Constata-se, de outro lado, que em paralelo havia também
uma certa necessidade humana de conhecimento do tempo: fazem 4.800 anos que
o homem usa o calendário, 2.240 anos que ele estabeleceu um sistema
padrão de numeração do anos, 2.046 anos que foi projetado
o calendário juliano com o ano bissexto e 414 anos que se adotou o
calendário gregoriano que atualmente seguimos. Mas essa necessidade
mudou há 492 anos, com a fabricação do primeiro relógio.
Transformou-se em necessidade de controlar o tempo. Ou seja, a partir daí
o tempo deixou de ser um fenômeno que gerava expectativa de saber e
passou a ser utilizado como instrumento de poder. Ou seja, nesses mais de
31 milênios da história do homo sapiens sapiens, a humanidade
passou a se esforçar na busca da superação de distâncias
e na busca do controle do tempo.
Muitos de seus produtos e descobertas, muitos de seus pensamentos religiosos
e filosóficos, muitas de suas experiências práticas e
de sua arte o conduziram ao modelo de conhecimento mais profícuo de
sua história até agora. Ao modelo de conhecimento científico.
Fazem 453 anos que se iniciou o fenômeno da Revolução
Científica, o qual ainda estamos vivendo intensamente. Dentre tantas
contribuições, várias ciências foram produzidas
desde então: a Mineralogia há 440 anos; a Geografia moderna
há 428 anos; a Fisiologia há 368 anos; a Embriologia há
237 anos, etc, todas assinaladas por algum fato marcante, como a produção
dos mapa-mundi baseados na Projeção de Mercator, em relação
ao surgimento da Geografia moderna, ou ao primeiro compêndio de Biblioteconomia,
há 369 anos, em relação à ciência homônima.
Por outro lado, a ciência, por seu modelo de conhecimento, não
se faz com regras rígidas. Os vários conhecimentos científicos
já existentes antes da Revolução Científica confirmam
isto. Por isso, é que somente há 376 anos foi feita a primeira
descrição do método científico e somente há
334 anos foi estabelecida a Real Society, como a primeira sociedade científica
que manteve-se e progrediu tendo como propósito defender a ciência
e os cientistas.
Desse modo, tudo o que hoje se tem em termos de otimização
do processo de interatividade comunicacional humana decorre então
da combinação dos fatores: a) encurtamento de distâncias
iniciado há 8.000 anos; b) controle de tempo iniciado há 492
anos; c) revolução científica iniciada há 453
anos; d) descrição do método científico iniciada
há 376 anos e e) institucionalização da ciência
iniciada há 334 anos.
Embora sempre esteja colocada a possibilidade de descobertas científicas
acidentais, conforme demonstra Roberts, o grande traço desses últimos
453 anos, em particular, é o crescimento exponencial do potencial
de interatividade comunicacional. No entanto, enquanto potencial, a interatividade
comunicacional subsiste subsumida a outros fenômenos que não
a dispensam mas que a utilizam como base das relações.
No conjunto de fatos que relacionaremos a seguir se encontra a manifestação
nítida desse potencial e se percebe como ele caminha para atingir
uma centralidade no próximo milênio — o terceiro da era cristã,
o trigésimo terceiro da história do homo sapiens sapiens, e
o nono do homem navegador, protótipo do interativo comunicacional.
Entre tais fatos destacamos a seguir vários daqueles que hoje sustentam
a telemática, informática e a comunicação interativa
proporcionada pela redes mundiais de transferência de dados e pacotes,
como é o caso típico da Internet.
Por exemplo, fazem 296 anos que foi proposto o uso do sistema binário,
hoje a base do processamento de dados por computador; há 260 anos
foi publicado o primeiro livro sobre mecânica; há 236 anos se
iniciou o estudo científico do calor; há 215 anos fundou-se
a ciência da cristalografia; há 187 anos fundou-se a ciência
da aerodinâmica; há 187 anos publicou-se o tratado sobre a luz
transversa; há 174 anos concebeu-se o computador moderno; há
172 anos descobriu-se o silício; há 162 anos descobriu-se a
celulose; há 158 anos inventou-se o código Morse; há
157 anos inventou-se a fotografia; há 155 anos sugeriu-se a padronização
das roscas de parafuso e também inventou-se o negativo fotográfico;
há 152 anos foi enviada a Ia mensagem pelo telégrafo; há
141 anos inventou-se o plástico sintético; há 137 anos
foi testado o 1. poço de petróleo; há 129 anos inventou-se
a máquina de escrever; há 127 anos o celulóide foi patenteado;
há 120 anos foi patenteado o telefone; há 119 anos inventou-se
o fonógrafo; há 117 anos inventou-se a luz elétrica;
há 116 anos inventou-se a calculadora eletromecânica; há
113 anos foi patenteada a Ia liga de aço; há 112 anos patenteou-se
a máquina de linotipo; há 108 anos inventou-se a câmara
Kodak; há 107 anos inventou-se o cinema; há 101 anos descobriram-se
os raios-x e inventaram-se as antenas de rádio; há 93 anos
foi proposta a possibilidade de viagem espacial e fez-se o primeiro vôo
de aeroplano; há 92 anos inventou-se a primeira válvula de
rádio; há 91 anos foi proposta a Teoria da Relatividade Especial;
há 90 anos as ondas de rádio foram convertidas em som; há
89 anos publicou-se a teoria do Espaço-Tempo; há 88 anos inventou-se
a linha de montagem; há 80 anos foi proposta a teoria geral da Relatividade;
há 70 anos foi lançado o primeiro foguete com combustível
líquido; há 69 anos inventou-se o cinema falado; há
66 anos foi produzido um computador capaz de solucionar equações
diferenciais; há 65 anos foi inventado o nailon; há 64 anos
foi inventada a câmara Polaroid; há 58 anos foram inventadas
a xerografia, a caneta esferográfica e construída a primeira
câmara prática de TV; há 56 anos foi inventado o sistema
de televisão em cores; há 50 anos foi inventado o primeiro
computador digital eletrônico (ENIAC); há 48 anos inventou-se
o transistor e os discos long-playing e publicada a teoria da cibernética;
há 43 anos foi patenteado o robô; há 38 anos foi aperfeiçoada
a fotocópia; há 35 anos foram introduzidos os relógios
eletrônicos e publicado o primeiro artigo sobre informática;
há 31 anos foi lançado o 1. satélite para comunicação
de uso comercial; foram levantadas as primeiras possibilidades de uso do
e-mail (correio eletrônico); surgiram os minicomputadores; há
26 anos foram identificadas as primeiras possibilidades do uso de código
de barras; há 25 anos foi introduzida a calculadora de bolso e inventado
o microcomputador; há 24 anos foram introduzidos os discos laser e
deram-se os primeiros passos para a INTERNET, com a discussão e criação
de um protocolo de comunicação; há 23 anos foram realizadas
as primeiras conexões internacionais da ARPANET; há 20 anos
surgiu o aparelho de fax (facsímile) e identificaram-se as primeiras
possibilidades de utilização das tecnologias de multimídia,
há 17 anos surgiu o primeiro Laptop (Sony co.); há 14 anos
deu-se a introdução das impressoras laser, há 8 anos
o Brasil iniciou operações em rede de comunicação
internacional (INTERNET).
Esta seleção de fatos marcantes no processo de produção
de conhecimento, produtos e bens nestes últimos 300 anos mostra uma
sucessão de criações sem as quais não teria sido
possível ampliar a interação da comunicação
humana. Uma das mais importantes, sem dúvida, é a invenção
da energia elétrica (há 117 anos). Não que outras formas
eficazes de energia não pudessem ter sido convertidas para uso humano.
Mas a energia elétrica chegou primeiro e com menor custo de produção
e uso. Porém, o mais importante é que sua existência
possibilitou todos os outros desenvolvimentos seguintes que, no conjunto,
estão inteiramente integrados no sistema de comunicação
humana. Todos esses desenvolvimentos são inventos ou aperfeiçoamentos
sem os quais não se teria a interatividade comunicacional já
como um fato central no início do terceiro milênio cristão.
De tudo o que falei até agora o que se pode concluir? Que a Interatividade
comunicacional humana constitui uma busca histórica dirigida por uma
obsessão que pode ser manifestada como o desejo humano do máximo
domínio de Espaço e Tempo.
Fatos outros, milhares, poderiam ser destacados para reforçar esta
afirmativa, como por exemplo a criação e aperfeiçoamento
de mapas astronômicos e geográficos, as invenções
de remédios, as criações e invenções de
números ou dos vários campos da matemática, as criações
e invenções de conceitos da física, da química,
da biologia, etc, a sistematização multimilenar do conhecimento,
a invenção de sistemas lógicos, entre vários.
No entanto, com tudo isso, é necessário se começar a
refletir sobre como atuar neste mundo pleno de interatividade comunicacional
humana. É preciso que os profissionais de informação
analisem esse terceiro milênio cristão como uma era já
iniciada tecnologicamente. Discutamos o que fazer, por que e como atuar com
todos esses recursos hoje disponíveis e que colocam a relação,
a ação mútua, como centro de todo o trabalho, já
que a sua existência desautoriza a ação em mão
única!
Discussões outras, relacionadas a esta temática, estão
sendo travadas pelos filósofos que buscam compreender as várias
perspectivas de espaço e tempo. E essas discussões também
devem ser de interesse dos profissionais da informação caracterizados
como bibliotecários. Profissionais cuja responsabilidade histórica
sempre foi mais ampla que a arrumação de livros e documentos;
que certamente sempre tiveram como possibilidade uma atuação
mais biblioterápica, no sentido dado por Ouaknin que encontra uma
etimologia para o livro, pela via latina, significando liberdade. Então
o bibliotecário seria também um promotor da palavra, um difusor
de idéias, ou seja, sua missão seria muito mais abrangente
que aquela hoje enfatizada pelos Cursos de Graduação em biblioteconomia
que se acham mais avançados quando defendem a gerência da informação
como o espaço mais significativo da atuação desse profissional.
Assim, sendo um promotor da palavra, um difusor de idéias, o bibliotecário
será por conseqüência um pensador sobre as implicações
da interatividade comunicacional, na medida em que pelas tecnologias já
disponíveis a relação física com a leitura se
expressará de várias formas, inclusive através do acesso
a informações e ao saber por via telemática.
É nesse sentido que mudam as perspectivas. Por isso mesmo muda o sentido
de distância física e se alteram, por conseguinte, as quotas
de tempo necessárias para se alcançar certos resultados na
interação comunicacional. Mudam também os fenômenos
físicos a ela relacionados. Tem-se átomos e bits como possibilidades
de transporte real da informação real. Na primeira situação
dando-se por um modo concreto, tátil e, no outro, dando-se por um
modo também concreto, porém visual, ou melhor, virtual, conforme
Negroponte. Mudam também nessas relações o sentido de
estar presente / não estar presente e estar próximo / não
estar próximo ambas situações implicando distância
física mas não necessariamente a mesma distância temporal.
Esta última perspectiva pode-se encontrar na análise de Virílio
que a designa como proximidade microfísica das telecomunicações
interativas.
Assim, a partir deste grande quadro de apreciação, quero imaginar
que este 15o Painel, ao abordar a questão da Interatividade Comunicacional
caminhará no sentido de discutir trajetórias que contribuam
para que os bibliotecários catarinenses avancem na construção
de novas direções para o seu trabalho.
Foi com isso em mente que esbocei esta palestra. Nela busquei também,
através de um resgate histórico, desmistificar o isolamento
da biblioteconomia, a linearidade de sua história e a sua fixação
em livros, como se estes fossem a forma definitiva. Não, eles não
são a forma definitiva! Livros são mediadores de fluxo. E fluxo
é o que constitui o núcleo da interatividade comunicacional
humana no terceiro milênio.
NOTAS
* as idades e fatos citados nesta fala foram elaborados com base nas seguintes
fontes, dadas na Bibliografia abaixo: ASIMOV, FONSECA, GUINESS, MOURA e NEGROPONTE)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASIMOV, Isaac. Cronologia das ciências e das descobertas. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
FONSECA, Edson Nery da. A biblioteconomia brasileira no contexto mundial.
Brasília: INL; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979.
GUINESS, o livro dos recordes. São Paulo: Ed. Três, 1994.
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo:
Ática, 1991.
MOURA, Gevilácio A. C. de. RNP-Internet; guia do usuário.
São Paulo: Atlas, 1995.
NEGROPONTE, Nicolas. A vida digital. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
OUAKNIN, Marc-Alain. Biblioterapia. São Paulo: Loyola, 1996.
ROBERTS, Royston M. Descobertas acidentais em ciências. 2. ed.
Campinas, SP: Papirus, 1995.
VIRÍLIO, Paul. O espaço crítico e as perspectivas
do tempo real. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
________
Francisco das Chagas de Souza
Doutor em Educação.
Departamento de Biblioteconomia e Documentação Universidade
Federal de Santa Catarina - Florianópolis
E-mail: souza@prodau-sc.com.br
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis,
v. 2, n.2, p. 7-16, 1997.