CENTROS DE INFORMAÇÃO POPULAR E O BIBLIOTECÁRIO
Eliany Alvarenga de Araújo
1 - INTRODUÇÃO
Inicialmente eu gostaria de agradecer a Comissão Organizadora do 15°
Painel Biblioteconomia em Santa Catarina, pelo convite para participar deste
evento. Este agradecimento é feito não apenas por que o convite
que me foi feito possibilita que eu apresente algumas idéias sobre
os centros de informação popular e o trabalho do bibliotecário,
mas além deste fato, eu agradeço pela possibilidade de encontrar
amigos, de fazer novos amigos e de conhecer o trabalho dos colegas bibliotecários
de Santa Catarina.
Eu gostaria também de parabenizar os membros da comissão organizadora
pelo espaço de troca de idéias e de atualização
profissional que criaram ao organizarem este evento. Ações
deste tipo fortalecem e desenvolvem uma classe profissional.
O tema que me proponho a discutir com vocês - os Centros de Informação
Popular e o bibliotecário - é um dos temas que venho pesquisando
a algum tempo. Conforme foi anunciado, sou professora do Departamento de
Biblioteconomia da Universidade Federal da Paraíba-UFPB e neste departamento
mantemos um Curso de Mestrado em Biblioteconomia onde, através de
ações de extensão e pesquisa, estudamos a função
da informação na transformação sócio-econômica
de comunidades de baixa renda e o papel dos centros de informação
popular nestes contextos sociais. A questão que orienta nossas análises
é a seguinte: - a informação é um elemento importante
na luta pela conquista de direitos de cidadania? Se nós, bibliotecários
respondemos afirmativamente a esta indagação, outras questões
se formam: - como organizar e disseminar informações de forma
que ela seja um elemento efetivo para a conquista de direitos de cidadania?
Como a informação pode auxiliar não apenas o desenvolvimento
econômico, mas também e sobretudo auxiliar o desenvolvimento
humano?
Estas questões revelam e refletem na verdade uma visão de mundo,
uma postura profissional e política diante da realidade social que
nos envolve. Esta postura nos revela que não é possível
ao bibliotecário atuar na sociedade de informação e
permanecer com uma postura ingênua de neutralidade. A informação
- um dos nossos instrumentos de trabalho está se transformando em
elemento constitutivo de produção e assim sendo, ela passa
a ter um valor de troca, ela adquire uma natureza de mercadoria, onde quem
paga mais, leva a informação mais precisa e mais atualizada
e assim reforça ou cria campos de poder político e econômico.
Como coloca João Almino em seu livro intitulado: O Segredo e a informação;
ética e política na espaço público1a
venda de informação-mercadoria em nível internacional
pode tornar-se significativa. A tendência é a de haver uma integração
tal de redes informacionais, que um banco de dados poderá tecnicamente
ser consultado de qualquer parte do mundo. Mas devemos estar conscientes
para o fato de que quem detiver os bancos de dados, quem puder apresentar
maior eficiência ao acúmulo de informações, reforçará
também seu poder econômico e político. Atualmente esta
é uma questão fundamental no contexto dos profissionais da
informação. Será que estamos trabalhando para possibilitar
que estruturas injustas e desumanas se estabeleçam ou sejam reforçadas
no contexto social? Os sistemas de informação que planejamos
e gerenciamos podem auxiliar nas transformações sócio-econômicas
necessárias a milhares de brasileiros? Qual a nossa postura política
diante da sociedade de informação?
Estas questões nos mostram a necessidade de analisarmos em nossos
eventos não apenas os aspectos técnicos e educacionais da informação,
mas também os aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos
relacionados a preservação, organização, disseminação,
acesso e uso da informação.
Após estas considerações iniciais, eu gostaria de apresentar
algumas idéias relativas aos Centros de Informação Popular
e o Bibliotecário. Eu organizei minhas idéias em três
itens. No primeiro item faço comentários sobre a origem, funções
e serviços desenvolvidos pelos Centros de Informação
Popular. No segundo item eu analiso as funções do profissional
bibliotecário e os aspectos técnico-administrativos e sócio-culturais
desta profissão. No terceiro item eu analiso as possibilidades de
ampliação da prática profissional do bibliotecário
brasileiro.
2 - OS CENTROS DE INFORMAÇÃO POPULAR: DEFINIÇÃO
ORIGENS, FUNÇÕES E SERVIÇOS
Os Centros de Informação Popular no Brasil surgiram no contexto
social da década de 60. Para compreendermos a origem destes centros
devemos buscar maiores informações em nível histórico
recente do país. Assim temos que, com o golpe civil militar de 1964.
Tem início um processo de desmobilização da sociedade
civil brasileira. A partir deste processo sindicatos e entidades estudantis
sofreram intervenção e foram atrelados ao aparelho do Estado,
as greves foram proibidas, instalou-se a censura, foi criado o Serviço
Nacional de Informações - SNI e houve a cassação
de mandatos e a suspensão dos direitos políticos de parlamentares
de oposição. Em 1968 decretado o ato institucional n 5 que
reduziu drasticamente os direitos civis. Neste contexto a sociedade civil
ficou sem seus canais tradicionais de expressão e organização.
A partir daí surgem novas formas de organização e comunicação,
junto as igrejas, principalmente a igreja católica (devido a Teologia
da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base). Inicialmente
estas organizações faziam um trabalho existencial. Num segundo
momento (década de 70), elas se desvinculam das igrejas e passam a
realizar ações de desenvolvimento político e social.
Neste momento profissionais ligados a universidade e partidos políticos
de esquerda se unem a estas organizações. Inicialmente estas
organizações receberam várias denominações
tais como: Centros de Documentação Popular, Centros Populares
de Comunicação e Documentação, Serviços
de Informação Popular, Centros de Documentação
Alternativa, Centros de Memória Popular, Centros de Educação
Popular e outras variações semelhantes conforme a abrangência
e o tipo de atividades que desempenhavam. Estas organizações
viriam mais tarde receberem o nome de Organizações Não-Governamentais
- ONGS. Assim as ONGS mais antigas surgiram como centros que, entre outras
atribuições, coletavam, organizavam e disseminavam informações
e documentos produzidos no âmbito dos movimentos sociais populares.
O cunho ideológico predominante era de esquerda e objetivava-se, a
partir daí, criar o gérmem da mudança da sociedade.
Para tanto buscava-se a formação política dos movimentos
emergentes através da educação política de base
e a conscientização dos grupos populares.
Atualmente as ONGs são centros de pesquisa, centros de documentação
e centros de mobilização popular voltados para os mais distintos
aspectos de sociedade tais como: a ecologia e a qualidade de vida, o combate
a fome, a formulação de políticas sociais, a mobilização
dos setores discriminados da sociedade, etc. Exemplos desta atuação
pode ser visto com a campanha contra a fome desenvolvida pelo IBASE, a participação
de ONGS na Conferência da ONU sobre a mulher realizada em Istambul
/ Turquia, onde uma ONG brasileira da região nordeste, denominada
de Seara Periferia ganhou um prêmio por sua atuação no
campo da habitação popular. As atuais ONGs, bastante estruturadas
e modernizadas continuam sendo importantes núcleos de trabalho documental,
tanto no aspecto de produção, como no de organização
dessa produção. Muitas ONGs desenvolveram ou se integraram
em redes de informação e hoje estão interligados através
de redes de computadores que dão acesso a outras ONGS, universidades,
órgãos públicos, etc. Espalhados por centenas de países.
No contexto das ONGS a documentação e conseqüentemente
a informação passou a ser um instrumento de educação,
organização, mobilização e preservação
da memória do movimento popular. Assim, a informação
se constituiu num instrumento efetivo para as mudanças sociais e para
as lutas por direitos de cidadania no contexto social brasileiro.
As ações informacionais (preservação, organização,
disseminação, acesso e uso da informação) desenvolvidas
pelas ONGS acabou por criar uma prática social que foi denominada
de documentação alternativa. Esta prática informacional
surgiu e se estruturou fora do espaço institucional da Biblioteconomia
e dos Centros de Documentação. Consolidou-se à margem
e fora do âmbito de ação dos profissionais da área
de Biblioteconomia e tornou-se uma prática com um enfoque claro e
assumidamente político, a favor das classes populares. Porque motivo
isto ocorreu? Esta indagação daria um belo trabalho de pesquisa.
Afinal por que os bibliotecários, como uma classe profissional, não
se envolveram nesta questão? Será que nossa atuação
profissional não acompanha a dinâmica informacional exigida
pelo contexto social das classes populares? Não me atrevo a dar respostas
sem realizar uma pesquisa sobre este tema.
A Documentação Alternativa tem como suporte ideológico
a Teologia da Libertação e embora manifeste preocupação
com a questão técnica, tem como centro de suas colocações
a questão da informação como um instrumento pedagógico
para a mudança social, dentro da perspectiva das classes populares.
Ao se posicionar desta forma a Documentação Popular se contrapõe
a visão da neutralidade técnica e da despolitização
com que é vista a documentação convencional.
A partir destas considerações podemos afirmar que, dentro do
campo social da Documentação, existem dois subcampos, o da
documentação oficial e o da documentação alternativa.
O campo da documentação oficial é constituído
pela Biblioteconomia e seu conjunto de instituições, tais como,
bibliotecas escolares, públicas, especializadas, universitárias,
especiais, centros de documentação, o ensino de Biblioteconomia
e a legislação que regulamenta as atividades profissionais
dos bibliotecários. A Documentação Alternativa, também
denominada de Documentação Popular, se estrutura através
das atividades dos Centros de Informação Popular e das atividades
informacionais das ONGs. As tarefas destas instituições geralmente
são três: tarefas de documentação, trabalho com
meios de comunicação e produção de mensagens
e tarefas de conscientização, organização e mobilização
social2.
A partir destas considerações indagamos: Os Centros de Informação
Popular podem ser espaços de atuação profissional para
o bibliotecário? Para responder a esta indagação devemos
analisar as tarefas / funções desenvolvidas pelo bibliotecário,
bem como, os aspectos sócio-culturais destas tarefas.
3 - O BIBLIOTECÁRIO - PROFISSIONAL DO DOCUMENTO OU DA INFORMAÇÃO?
O bibliotecário é um dos profissionais do campo da informação.
Este profissional tem conhecimentos técnicos para realizar o planejamento,
implantação e organização de serviços
de informação. O bibliotecário tem capacidade para desenvolver
várias atividades relacionadas a preservação, organização
e disseminação da informação, para tanto este
profissional:
- seleciona materiais dos mais diversos formatos
para compor os acervos de sistemas de informação;
- organiza, com base em sistemas e códigos internacionais,
esses acervos;
- divulga as informações através de
serviços de disseminação seletiva;
- orienta usuários na busca de informações
e na utilização correta das fontes de referência e bibliográficas;
- administra e gerência sistemas de informação;
A partir destas considerações, podemos afirmar que o bibliotecário
é um profissional habilitado tecnicamente para atuar não apenas
junto aos Centros de Informação Populares, mas também,
em qualquer contexto onde se faça necessário a informação
organizada.
Gostaria de chamar a atenção para a afirmação
importante pois ela expande o campo de atuação do bibliotecário,
no sentido que ela amplia os instrumentos e as práticas profissionais
do bibliotecário.
E os Centros de Informação Popular? Considero que uma das lições
que os Centros de Informação Popular nos deram foi o desenvolvimento
de suas atividades a partir de informações localizadas, tanto
nos documentos, como em outras fontes de informação, tais como
pessoas, instituições, grupos sociais, etc. Uma segunda lição
importante dada por estes centros foi a criação e utilização
de formatos variados de documentos para o desenvolvimento de suas atividades.
Outra lição dada por estes centros é a "tradução
da informação" veiculados em vários campos de conhecimento
e em vários níveis de conhecimento, objetivando com isto uma
maior compreensão dessas informações por parte dos grupos
sociais aos quais servem. Outra ação importante desenvolvida
pelos Centros de Informação Popular é o trabalho de
compartilhamento de recursos. Assim, estes centros estabelecem parcerias
com outras instituições, tais como: universidades, grupos sociais,
movimentos sociais populares, sindicatos e instituições internacionais.
Através desse tipo de ação as ONGS tem desenvolvido
rede de cooperação e intercâmbio em todo o mundo.
4 - CONCLUSÃO: BIBLIOTECÁRIO COMO PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO
A dinâmica informacional desenvolvida pelos Centros de Informação
Populares nos mostra que é possível renovar a nossa prática
profissional. Entretanto tal renovação implica numa ampliação
do atual modelo através do qual nós, bibliotecários
orientamos nossa formação e a atuação profissional.
Considero que este modelo é de natureza persuassiva, ou seja, o bibliotecário
acredita que deve convencer o usuário de que a biblioteca é
importante. Este é um pressuposto falso, pois nem sempre a biblioteca
é importante para as pessoas. Aliás milhares de pessoas, em
todo o mundo passam a vida inteira sem utilizar os serviços informacionais
de uma biblioteca e nem por isso elas se consideram desinformadas. Estas
pessoas se informam através de outras fontes de informação.
Este é um ponto interessante e que merece ser aprofundado.
Considero que o modelo utilizado pelos Centros de Informação
Popular e pelas ONGS seja o intervencionista, ou seja, essas instituições
acreditam que a informação pode auxiliar na solução
de problemas. Assim estas instituições desenvolvem uma ação
informacional de levantamento e discussões sobre os problemas vivenciados
por determinada comunidade ou grupo social e a partir deste diagnóstico
elas buscam informações que solucionem estes problemas. Neste
processo de construção de soluções, a comunidade
tem um papel ativo junto com a ONG/Centro de Informação Popular.
Esse é um processo educativo onde todos os participantes trabalham
em conjunto, de forma participante.
Diante de uma realidade social que muda constantemente, considero que se
faz necessário ao bibliotecário uma ampliação
do seu modelo de ação. Assim, devemos reunir ao modelo persuassivo
ao modelo intervencionista. Através desta reunião poderemos
manter serviços que tem sua utilidade comprovada pelo usuário
e ampliar nossa forma de atuação junto a este usuário
através do desenvolvimento de um processo social que capacitará
os usuários a conhecerem seus problemas informacionais e conseqüentemente
localizar informações e produzir conhecimentos que solucionem
tais problemas. Através desse tipo de ação a biblioteca
se constitue num sistema de comunicação que auxilia na transformação
social.
Considero que a adoção desse modelo misto para orientar, tanto
a formação, como a atuação profissionais, pode
provocar uma ampliação do campo para o profissional bibliotecário
e da visibilidade pública desse profissional. Entretanto a adoção
desse modelo misto exige que, a informação seja um elemento
tão importante, quanto o documento para o profissional bibliotecário.
Este me parece ser um dos principais desafios tanto do ensino de Biblioteconomia
em seus mais variados níveis, bem como da prática profissional.
Agradeço a atenção e a paciência de vocês
em ouvir. Passo agora a palavra a coordenadora deste painel e espero que
possamos discutir alguns aspectos das minhas colocações. Obrigada.
NOTAS
1 ALMINO, João. O segredo e a informação; ética
e política no espaço público. São Paulo: Brasiliense,
1986. p.21
2 ABATH, R., RIOS, G.S.L., MELO, D.P. O intercâmbio em Centros de Populares
de Documentação e comunicação(CPDCs) no Brasil:
um estudo de caso da Região Nordeste. João Pessoa: UFPB/Curso
de Mestrado em Biblioteconomia, 1995. (Relatório de Pesquisa). 69
p.
________
Eliany Alvarenga de Araújo
Bibliotecária e Professora do Departamento de Biblioteconomia da Universidade
Federal da Paraíba-UFPB
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis,
v. 2, n.2, p. 17-23, 1997.