ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEITURA DO HIPERTEXTO
Magda Chagas Pereira
Resumo
A participação da leitura na aquisição de conhecimentos
pode ser sentida em qualquer nível educacional das sociedades letradas.
Com as transformações ocorridas atualmente, não está
mais restrita aos documentos tradicionais, ligando-se aos hipertextos que
permitem uma maior flexibilidade na busca pelas informações.
Considerando a situação de sala de aula, para Rudell, Unrau
(1994), a leitura é um processo de construção de significado,
englobando uma série de fatores interligados. Neste artigo, serão
apresentadas considerações sobre a relação entre
pontos presentes na teoria destes autores e sua aplicação na
leitura de hipertextos, destacando aspectos relativos ao conhecimento e crenças
anteriores do leitor.
Palavras-chave: Leitura - hipertexto: leitura - Conhecimento anterior
1. INTRODUÇÃO
A leitura tem estado presente na vida dos homens desde os tempos mais remotos.
Sua utilização como instrumento para a aquisição
de conhecimentos pode ser sentida em qualquer nível educacional das
sociedades letradas. Este fato pode ser explicado por estar, praticamente,
todo o conhecimento histórico, científico e tecnológico
da humanidade registrado em diferentes tipos de material gráfico.
O mundo atual tem sido palco de transformações acentuadas na
área das ciências e da tecnologia, sendo feitas, a cada dia,
novas descobertas e criados novos conceitos em todos os ramos do conhecimento.
Esta evolução ocorre de forma tão rápida, que
muitas vezes não conseguimos acompanhá-la, adequadamente. A
informação não está mais restrita aos livros
e material impresso, mas pode ser acessada por intermédio de microcomputadores
que trazem até nós os dados contidos em bases nacionais e internacionais,
ampliando, de forma ilimitada, o acesso a novos conhecimentos. A leitura,
desta forma, passa a não ficar mais restrita ou ao material contido
nas bibliotecas escolares e/ou públicas, ligando-se aos hipertextos,
produzidos de forma a permitir uma flexibilidade na ampliação
pela busca de informações, até então, não
encontradas em qualquer documento impresso. É preciso considerar que
estas modificações estão sendo introduzidas nas empresas
e indústrias de forma geral, fato que conduzirá à necessidade
de se formarem indivíduos preparados para atuarem nestas novas condições.
Inicialmente, a leitura foi vista como um simples meio de decodificar uma
mensagem. No entanto, este conceito tem sido ampliado, sendo a leitura considerada,
nos últimos anos, como um dos elementos fundamentais para a formação
dos indivíduos como um todo.
De acordo com Silva (1981, p. 38) "as experiências conseguidas através
da leitura, além de facilitarem o posicionamento do homem numa condição
especial (o usufruto dos bens culturais escritos, por exemplo), são,
ainda, as grandes fontes de energia que impulsionam a descoberta, elaboração
e difusão do conhecimento."
Paulo Freire, por diversas vezes, tem afirmado que, para compreender a palavra,
é necessário que, primeiro, compreenda-se o mundo. Desta forma,
utilizando-se de seus conhecimentos anteriores, o leitor estabelecerá
uma relação integrada com o texto que permitirá a atribuição
de seu significado.
O processo de leitura envolve aspectos diferenciados, que vão desde
as operações intelectuais, em que são feitas comparações,
associações, interpretações e julgamentos, até
aqueles que envolvem condições emocionais bastante complexas.
De acordo com Ruddell, Unrau (1994), a leitura, quando considerada no contexto
instrucional de sala de aula, é um processo de construção
de significado, e engloba uma série de fatores, totalmente interligados,
apoiados, basicamente, em três elementos: o leitor, o texto e o professor.
Pode ser, assim, conceitualizada como um modelo interativo sócio-cognitivo,
que explica o processo de leitura exercido em uma situação
de ensino-aprendizagem.
O leitor assume papel de grande importância neste modelo, destacando-se
a presença de seu conhecimento e crenças anteriores, que envolvem
aspectos relativos às condições afetivas e cognitivas.
As condições afetivas apresentam-se como elementos significativos
para o processo de leitura, uma vez que envolvem motivação,
atitudes através da leitura c do conteúdo, postura do leitor
e valores e crenças sócio-culturais.
As condições cognitivas, por seu lado, envolvem diferentes
fatores tais como: conhecimento da linguagem, análise das palavras,
estratégias de processamento de textos, estratégias metacognitivas,
conhecimento de mundo e conhecimento pessoal, entre outros.
Na escola, a leitura assume um papel importante desde o período de
alfabetização, quando a criança é introduzida
no mundo das letras e das palavras escritas. No decorrer de sua evolução
educacional, a necessidade da leitura vai se acentuando, considerando que
os livros e outras formas gráficas são utilizados como instrumento
básico para as atividades de ensino-aprendizagem.
Importa conhecer, então, quais são as características
presentes nos textos que possibilitam a sua compreensão e a total
interação do leitor com aquilo que está escrito. Devem
ser considerados aspectos relativos ao uso da linguagem, do léxico,
dos conteúdos semânticos, bem como aqueles relativos ao contexto.
Da mesma forma, apresenta-se como uma necessidade, o conhecimento dos hipertextos
e hipermídia que estão sendo introduzidos em nossa sociedade,
graças ao avanço tecnológico presente, atualmente. O
hipertexto assemelha-se ao texto tradicional, podendo ser armazenado, lido,
pesquisado e editado, contendo, porém, uma diferença significativa:
o hipertexto contém conexões com outros documentos ampliando,
significativamente, a recuperação das informações
relacionadas ao tema original. A hipermídia apresenta as mesmas características
do hipertexto, contendo ligações não só com outros
pedaços de texto, mas também, com outras formas de mídia,
tais como sons, imagens e movimentos (What is hypertext and hypermedia? informações
obtidas através da consulta à Rede Internet).
Considerando essas questões, procuraremos neste trabalho, apresentar
alguns pontos cuja verificação julgamos importante para a compreensão
do processo de leitura de hipertextos.
Inicialmente, apresentaremos algumas considerações sobre o
hipertexto, procurando compreender sua estrutura c funcionamento. Em seguida,
apresentaremos os elementos que compõem, de acordo com RudelI, Unrau
(1994), o processo de leitura, destacando os aspectos relativos ao conhecimento
e crenças anteriores relacionados ao leitor. Finalmente, faremos uma
aproximação entre os pontos presentes na teoria de Rudell,
Unrau e sua aplicação na leitura de um hipertexto.
2. O HIPERTEXTO
Desde o início deste século, pesquisadores na área de
documentação vem buscando soluções para a gerência
das informações que crescem a cada dia, tentando encontrar
uma forma de organização que possibilitasse o uso mais ágil
e racional destas informações. A partir de várias tentativas,
foram surgindo sistemas que se assemelhavam aos hipertextos que, no entanto,
só puderam ser efetivamente desenvolvidos nos últimos anos,
graças ao avanço da tecnologia. Atualmente, os hipertextos
estão presentes nas redes nacionais e internacionais ampliando as
possibilidades de obtenção de informações, graças
a sua estrutura não linear que permite associações entre
os mais variados aspectos de determinado assunto.
Hipertexto pode ser definido como: " (...) uma abordagem da gestão
da informação na qual os dados são armazenados em uma
rede de nós conectados por ligações. Os nós podem
conter textos, gráficos, áudio e vídeo, bem como programas
de computador ou outras formas de dados." (SMITH, WEISS, apud VILAN FILHO,
1994). Os componentes básicos de um hipertexto são os nós
e as ligações. Os nós podem ser descritos como unidades
de informação em um hiperdocumento que podem conter um ou mais
tipos de dados, tais como: textos, figuras, sons, fotos, entre outros. As
ligações são marcas que conectam um nó ao outro,
"geralmente representadas por pontos sensíveis na tela que indicam
a origem ou o destino das ligações. Podem ser palavras ou frases
em destaque (negrito, itálico ou cores), mas também podem ser
gráficos ou ícones." (VILAN FILHO, 1994).
Para que se possa entender melhor a sua estrutura, podemos citar como exemplo,
a procura de determinado assunto em uma rede de informações.
Suponhamos que o assunto procurado seja "Descobrimento do Brasil". Em um
sistema de hipertextos, é possível encontrar vários
documentos relacionados a este assunto, tais como a biografia de Pedro Álvares
Cabral, a descrição de uma caravela, ou mesmo, o mapa das terras
conhecidas antes dos grandes descobrimentos. Para acessá-los, bastaria
clicar com o mouse sobre as palavras grifadas no texto principal, navegando
desta forma, para novos documentos. Os textos selecionados, assim como o
original, possuem, também, nós que possibilitam a recuperação
de informações, ampliando as possibilidades de acesso a diferentes
documentos. Assim, no texto relacionado a Pedro Alvares Cabral, poderíamos
encontrar informações geográficas e históricas
sobre sua cidade natal.
A partir dessa descrição simplificada de um hipertexto, é
possível pensar as possibilidades de uso desta nova ferramenta de
informação. Vários são os exemplos de utilização
de hipertextos, nos mais diferentes tipos de atividades. Entre eles podemos
citar a sua aplicação em catálogos de produtos que podem
ser organizados por função, por código, por tamanho,
por preço, etc. O uso do hipertexto permite facilidades tanto na sua
organização, como na atualização de preços,
ou mesmo na demonstração dos produtos que pode ser feita com
animação. Da mesma forma, os dicionários, enciclopédias
e demais fontes de informação geral, podem ser organizados
sob a forma de hipertextos, possibilitando uma maior agilidade na recuperação
das referências cruzadas, normalmente presentes neste tipo de material.
Existem, ainda, outras possibilidades, tais como a exibição
de obras de arte presentes em diferentes museus e galerias, a demonstração
de estruturas urbanas, descobertas arqueológicas, técnicas
cirúrgicas e muitas outras. (VILAN FILHO, 1994).
Parece-nos, no entanto, que é na atividade educacional que o hipertexto
tem uma participação essencial. São inúmeras
as possibilidades de sua aplicação na área do ensino/aprendizagem
que, certamente, quando bem utilizadas, proporcionarão aos usuários
desta nova tecnologia um avanço ilimitado na aquisição
de conhecimentos. Os recursos advindos do uso de sons, imagens e animação
associados aos textos ampliam e facilitam a obtenção de informações
de uma forma completamente nova. Pode-se imaginar as facilidades no estudo
de línguas estrangeiras, no conhecimento da fauna e flora terrestres,
no funcionamento do corpo humano, no estudo dos fenômenos físicos
e químicos presentes na natureza, entre tantos outros.
No entanto, parece-nos claro que a introdução dessa nova forma
de obter informações exigirá de seus usuários
habilidades diferenciadas daquelas até então utilizadas para
a leitura de um texto linear. Dessa forma passaremos a verificar quais são
algumas das habilidades necessárias para a leitura de um texto convencional
para, posteriormente, tentarmos compreender como se dará a transferência
dessas habilidades para a leitura de um hipertexto.
3. O CONHECIMENTO ANTERIOR E O PROCESSO DE LEITURA
A leitura é um tema que vem sendo discutido ao longo dos anos, sendo
clara a sua importância para a aquisição de conhecimentos
e valores, uma vez que grande parte deste conhecimento encontra-se registrado
em diferentes tipos de material gráfico. Conscientes desta importância,
os pesquisadores vêm desenvolvendo uma série de trabalhos procurando
compreender, de forma efetiva, como se dá o processo de leitura, e
quais são os fatores que auxiliam na formação de bons
leitores.
Em nosso trabalho, deter-nos-emos na teoria de Rudell, Unrau (1994), a partir
do que a leitura na escola, é vista como um processo de construção
de significado, incluindo três elementos principais, a saber: o leitor,
o texto e o professor. O trabalho desses autores situa a leitura no contexto
educacional da sala de aula e, desta forma, é considerado um modelo
interativo sócio-cognitivo. O leitor, o texto e o contexto de sala
de aula, bem como o professor atuam de forma dinâmica e integrada,
propiciando, assim, a construção do significado.
Devido à complexidade do modelo, estaremos verificando, somente, os
aspectos relativos ao conhecimento e crenças anteriores relacionados
ao leitor, tanto com relação às condições
afetivas, como cognitivas, sem, no entanto, aprofundarmo-nos na discussão
de cada um dos pontos apresentados.
O conhecimento anterior diz respeito a todas as informações
que o leitor traz de sua experiência vivida, até então.
Essas experiências baseiam-se em condições afetivas e
condições cognitivas. As condições afetivas referem-se
a vários fatores responsáveis pela motivação
para a leitura, incluindo valores e crenças sócio-culturais
dos leitores, com relação à escola e ao processo de
aprendizagem. Já as condições cognitivas dizem respeito
ao conhecimento da linguagem, das palavras, da estrutura de textos, bem como
a compreensão da interação social da sala de aula. Apesar
de apresentadas separadamente no modelo, os autores destacam a total interdependência
dessas condições, que influenciam, de forma decisiva, na iniciativa
do leitor em principiar e continuar a leitura de determinado texto.
As condições afetivas provêm da experiência anterior
do aluno na família, na comunidade e em alguns períodos da
escola. Ela inclui a motivação para a leitura, atitudes através
da leitura e do conteúdo, postura do leitor e valores sócio-culturais.
Acredita-se que a leitura lúdica, aquela que é feita com prazer,
pode oferecer ao leitor melhores condições de assimilar aquilo
que está sendo lido. Provavelmente, o leitor que lê por obrigação,
sem que haja engajamento entre ele e o texto, dificilmente aproveitará
dessa leitura tudo o que poderia se estivesse motivado. Da mesma forma, a
decisão do leitor em continuar ou não a leitura prende-se a
sua atitude frente ao texto e seu conteúdo. Esta atitude está
ligada a fatores emocionais internos e externos, ao incentivo recebido para
a leitura, as normas estabelecidas, bem como as instruções
oferecidas pelo professor.
O interesse do leitor pelo texto sofre a influência de vários
fatores. Entre eles podemos citar: o tema abordado pelo autor, bem como suas
posições e valores que podem ou não agradar ao leitor;
a presença de ilustrações que auxiliem na compreensão
do que está sendo exposto; o estilo do autor, que muitas vezes torna
a leitura árdua e cansativa e por outras, auxilia na compreensão
e no prazer da leitura, entre outros. Todos estes fatores conduzem à
postura do leitor frente ao texto que é, também, considerada
por Rudell, Unrau (1994) como elemento importante para a decisão de
continuar ou não a leitura. Servem para direcionar o foco de atenção
e o propósito do leitor. Aquele que começa a leitura com um
objetivo claro e definido terá mais chances de terminar a leitura,
aproveitando o máximo dela. Essa postura é influenciada pela
natureza do texto e pela conseqüente interação do leitor
com o mesmo. A postura do leitor, no que diz respeito à atenção
para a leitura, varia em níveis diferentes e não depende da
vontade do leitor, podendo ser influenciada pelo professor quando no contexto
de sala de aula.
Rudell, Unrau (1994) citam, ainda, os valores e crenças sócio-culturais
como elementos importantes para o sucesso estudantil em geral e desenvolvimento
da leitura em particular. Apresentam trabalhos de vários autores que
afirmam ser as diferenças e expectativas sócio-culturais entre
professores e alunos de extrema importância no processo de aprendizagem
na escola. Podemos citar como exemplo o trabalho de Phillips, 1970 apud Rudell,
Unrau (1994) que demonstra que crianças índias americanas tinham
grande dificuldade em falar na sala de aula, uma vez que a linguagem utilizada
por elas em casa apresentava diferenças bastante acentuadas com relação
àquela esperada no contexto escolar. Conclui-se, assim, que os valores
e crenças sócio-culturais exercem uma influência muito
grande no processo de aprendizagem e, conseqüentemente no processo de
leitura, devendo ser um fator de bastante cuidado entre os professores na
realização de seu trabalho em sala de aula.
Da mesma forma, as condições cognitivas são consideradas
como de importância vital para o processo de leitura. Segundo os autores,
apesar de toda a sua importância, elas não podem ser consideradas
de forma desvinculada das condições afetivas, uma vez que existe
uma interação bastante acentuada entre elas. De acordo com
Paris, Lipson, Wixson, 1983 apud Rudell, Unrau (1994), as condições
cognitivas estão ligadas ao papel declarativo, procedimental e condicional
do conhecimento que auxiliam no processo de construção do significado.
Esses papéis referem-se àquilo que o leitor conhece sobre fatos,
objetos, eventos, linguagem, conceitos e teorias sobre o mundo, a como ele
organiza este conhecimento, bem como ao entendimento do porquê e quando
os fatos acontecem, dando ao leitor uma visão do contexto social no
qual a leitura ocorre. Essas formas de conhecimento estão armazenadas
na memória e são compostas de uma variedade de fatores essenciais
para a construção do significado.
Rudell, Unrau (1994) acreditam que o conhecimento declarativo, procedimental
e condicional estão armazenados na memória em estruturas conhecidas
como esquemas. Estas estruturas são compostas de espaços preenchidos
com informações específicas que são usadas em
diferentes situações, como quando um problema precisa ser resolvido
ou mesmo, um texto precisa ser lido e compreendido. Quando não existem
os esquemas necessários para determinado assunto ou fato, a dificuldade
na compreensão ou mesmo na solução do problema torna-se
maior.
Podemos citar como exemplo, para melhor compreensão do funcionamento
dos esquemas, a leitura de um texto relativo a uma ida ao teatro, feita por
jovens em cuja cidade não existe teatro. Todo o conhecimento anterior
necessário para a compreensão do texto não estará
armazenado na memória dos leitores que terão grandes dificuldades
na compreensão do texto. Seria necessário que, antes da sua
leitura, houvesse uma apresentação das características
de um teatro, sendo introduzido o vocabulário apropriado, bem como
elementos relativos à organização do mesmo. Assim, seriam
formados os esquemas necessários que seriam processados na leitura
do texto, levando os leitores a uma maior interação e compreensão
daquilo que estão lendo. Quando durante a leitura de determinado texto
são ativados, por diferentes motivos, esquemas inadequados, ocorre
uma distorção na sua interpretação que pode causar
sérios problemas na compreensão e assimilação
do conteúdo.
Outro ponto destacado por Rudell, Unrau (1994) diz respeito ao conhecimento
da linguagem. De acordo com estes autores, a leitura é um processo
lingüístico, necessitando, assim, da presença de esquemas
que representem o conhecimento fonológico, sintático e léxico
do leitor. Este conhecimento é adquirido pelas crianças durante
o seu desenvolvimento, aumentando em complexidade no decorrer do período
escolar. O conhecimento sintático é desenvolvido pela criança
antes de aprender a ler, através do convívio social. O conhecimento
léxico, por sua vez, refere-se ao conhecimento do leitor sobre as
palavras e seus significados e está diretarnente ligado à sua
experiência pessoal e conhecimento de mundo. Através da análise
das palavras, as crianças aprendem que os símbolos impressos
representam a linguagem e, conseqüentemente, possuem significado, além
de compreenderem todo o processo de representação da escrita.
As estratégias de processamento de texto dizem respeito à forma
como os leitores interpretam as narrativas ou textos expositivos. Estão
organizadas em formas de esquemas mentais e auxiliam na compreensão
dos padrões de organização textual. As crianças
iniciam seu processo de leitura com textos repletos de gravuras, evoluindo
para textos com padrões convencionais tanto gráficos como organizacionais.
Outro ponto, destacado no modelo estudado, refere-se às estratégias
metacognitivas que servem como auto-monitoramento, estabelecendo rotinas
próprias do leitor para a construção do significado.
Estas estratégias começam a ser estabelecidas durante a pré-escola
e vão se desenvolvendo conforme avançam os progressos escolares.
Destaca-se, ainda, para a construção do significado, a presença
do conhecimento da sala de aula e a interação social dela resultante.
Estes pontos estão, diretamente, ligados aos valores e crenças
sócio-culturais. Todos os fatores ligados à vida social do
indivíduo terão influência marcante na sua atuação
e integração com a sala de aula. Ressalta-se, aqui, a participação
do professor, cuja responsabilidade torna-se bastante grande com relação
à adaptação do aluno aos novos padrões.
E, finalmente, como último aspecto apontado no modelo, relativo às
condições cognitivas do leitor, apresenta-se o conhecimento
pessoal e de mundo. Este conhecimento encontra-se, também, armazenado
em forma de esquemas mentais e influenciam, diretamente, na interpretação
de um texto.
Veremos, a seguir, como cada um destes pontos poderão atuar quando
da leitura de um hipertexto.
4. O CONHECIMENTO ANTERIOR E A LEITURA DO HIPERTEXTO
Nesta parte do trabalho, procuraremos verificar como podem ser apl içados
cada um dos pontos apresentados por Rudell, Unrau (1994) com relação
ao conhecimento anterior necessário para a leitura de um texto linear,
na leitura de um hipertexto. Gostaríamos de deixar claro que todas
as afirmativas aqui apresentadas não foram testadas empiricamente.
Inicialmente, podemos considerar aspectos relativos às condições
afetivas apresentadas no modelo de Rudell, Unrau (1994), que tratam da experiência
adquirida pelo leitor antes do contato com o texto.
Em nosso país, as diferenças sócio-culturais são
bastante acentuadas, refletindo-se, de forma marcante, nas atividades educacionais.
São grandes as diferenças apresentadas entre as crianças
matriculadas em escolas particulares e aquelas estudantes de escolas públicas.
Mesmo entre aquelas que fazem parte das escolas públicas as diferenças
são bastante acentuadas, se considerarmos as escolas de bairros centrais
e as de periferia.
A presença do hipertexto entre nós é, ainda, muito recente,
tendo sido introduzida a partir da chegada dos equipamentos de multimídia
e da possibilidade de acesso às Redes Nacionais e Internacionais de
Informações, sendo a INTERNET a mais conhecida dentre elas.
Esses fatos fazem com que sejam, ainda, muito poucas as crianças que
têm, atualmente, contato com este tipo de material. Dessa forma, em
nosso trabalho, estaremos nos referindo a crianças com perfis semelhantes
aos de alunos de escolas particulares, cujas famílias, normalmente,
possuem um poder aquisitivo capaz de proporcionar-lhes recursos mais avançados
na área educacional.
Para a análise do processo de leitura do hipertexto, precisamos nos
deter em um aspecto bastante importante que é o da apresentação
do texto. Ela não se dá mais de forma tradicional, através
do livro impresso, mas sim, ocorre por intermédio de equipamentos
eletrônicos sofisticados.
O processo de acesso ao texto, apesar de manter em suas bases o mesmo esquema
de busca, diferencia-se pela utilização de elementos, anteriormente,
desconhecidos. O leitor deverá, agora, ter conhecimento das técnicas
de acesso aos equipamentos de multimídia ou mesmo de acesso on Une
às informações. Para que isto ocorra faz-se necessária
a introdução de treinamento apropriado, que capacite o aluno
a utilizar os novos tipos de materiais.
A grande maioria das crianças alvo de nosso trabalho iniciaram seus
contatos com equipamentos eletrônicos através dos jogos e brinquedos
eletrônicos tão difundidos, atualmente. Da mesma forma, em seus
lares encontra-se a presença de eletro-domésticos que exigem
habilidades semelhantes àquelas necessárias ao uso de micro-computadores,
tais como videocassetes, aparelhos de som, fornos de micro-ondas, ou mesmo,
equipamentos de segurança. Sendo assim, não consideramos que
a introdução dos equipamentos como micro-computadores e terminais
de computador seja um problema para estas crianças, tendo em vista
a facilidade com que se adaptam aos equipamentos já mencionados, presentes
em seus lares.
A possibilidade de utilizar os computadores tanto para jogos como para atividades
de leitura e estudo acreditamos seja, também, um fator importante
na aceitação por parte das crianças deste novo tipo
de leitura. De acordo com Rudell, Unrau (1994), as experiências anteriores
dos alunos influenciam de forma direta no seu interesse pela leitura e, sendo
estas positivas, maiores são as chances de compreensão e assimilação
daquilo que foi lido. Tendo usado os computadores como instrumentos de diversão,
será mais fácil para o aluno aceitá-lo como instrumento
de aprendizagem.
Outro ponto que consideramos positivo, com relação ao uso do
hipertexto para as atividades de ensino/aprendizagem, é o interesse
que a sua estrutura flexível pode despertar. Como ele permite a navegação
para diferentes textos, torna-se interessante a sua leitura, uma vez que
esta navegação pode servir ao leitor como elemento de esclarecimento
de aspectos que não estejam muito claros no texto principal, ou mesmo
a eliminação da leitura de detalhes que não sejam relevantes
ao seu objetivo quando da decisão pela leitura daquele texto. Todos
estes pontos aproximam-se da teoria de Rudell, Unrau (1994) que afirmam serem
vários os aspectos relativos ao texto que propiciam ao leitor o desejo
de continuar ou não a leitura. Entre esses aspectos destaca-se a posição
do autor frente a determinados temas, a presença de ilustrações
que auxiliam na compreensão do conteúdo apresentado, bem como
o estilo do autor.
Por outro lado, essa mesma estrutura flexível que pode contribuir
para uma melhor compreensão do texto, pode servir como elemento de
dispersão do leitor, fazendo com que este perca o seu objetivo principal
de vista e acabe por não conseguir tornar a leitura produtiva ou mesmo
agradável. De acordo com Rudell, Unrau (1994) é necessário
que o leitor inicie a leitura do texto tendo um objetivo claro e definido,
para que possa tirar dele aquilo que for realmente relevante. Acreditamos
que na leitura do hipertexto este ponto deve ser observado com bastante atenção,
sob pena do leitor se perder em um emaranhado de textos, não conseguindo
mais encontrar um caminho a ser seguido, tornando sua leitura improdutiva.
Ainda de acordo com esses autores, os valores e as crenças sócío-culturais
são extremamente importantes para a construção do significado
através da leitura. Desta forma, é necessário estar
atento quando da utilização das inovações tecnológicas
no processo de ensino/aprendizagem, procurando verificar se não existem
dificuldades relacionadas à herança cultural dos alunos. Como
já afirmamos, anteriormente, não acreditamos que as crianças
tenham problemas em aceitar os novos equipamentos oferecidos, mas nos preocupamos
com a postura dos professores que serão os intermediários entre
os leitores e os hipertextos apresentados nas atividades de ensino/aprendizagem.
A introdução da informática nem sempre é aceita
com a naturalidade necessária, sendo vista por muitos educadores como
um entrave ao processo de desenvolvimento cognitivo das crianças.
Desta forma, importa estar atento às modificações introduzidas
a partir das inovações tecnológicas, a fim de evitar
problemas advindos da sua não aceitação e conseqüente
má utilização.
O modelo estudado neste trabalho apresenta a teoria dos esquemas como um
elemento importante no processo de construção de significado
através da leitura. Acreditamos que a ativação de esquemas
é um dos elementos primordiais no processo de leitura dos hipertextos,
devido à grande flexibilidade oferecida por este tipo de material.
Quando é iniciada a leitura de determinado texto, vão sendo
ativados esquemas armazenados na memória que vão permitindo
a associação de idéias, presentes ou não no texto,
que levam à compreensão do que está escrito. A ativação
de esquemas é, assim, uma atividade complexa realizada pela nossa
mente, tornando-se mais e mais complexa à medida em que novas informações
vão sendo oferecidas para serem processadas. A grande flexibilidade
de navegação permitida pelo hipertexto exige do leitor uma
atenção maior aos esquemas, a fim de mantê-lo ligado
ao seu objetivo principal, estabelecido quando do início da leitura.
Por outro lado, com relação ao conhecimento da linguagem, tanto
no sentido fonológico, sintático como léxico, a intertextualidade
característica dos hipertextos pode contribuir para suprir a ausência
da ativação de esquemas referentes a ela. A utilização
de definições de termos desconhecidos, bem como a apresentação
de imagens e sons, contribuem para solucionar dúvidas e problemas
advindos da não compreensão do que está escrito, oferecendo
ao leitor oportunidades de ampliar seus conhecimentos.
Com relação às estratégias de processamento de
texto, sabemos que as crianças, quando da leitura de textos lineares,
utilizam-se das ilustrações para entenderem situações,
por vezes, não muito claras. Os hipertextos apresentam, normalmente,
não só os textos escritos, mas também, imagens, sons
e mesmo animação de determinadas ilustrações.
Esses elementos auxiliam, não somente na compreensão dos textos,
mas também, contribuem para tornar a leitura mais agradável
e dinâmica. Podemos citar como exemplo a representação
utilizada por algumas enciclopédias infantis em multimídia
que apresentam o funcionamento dos sistemas do corpo humano com animação.
Dessa forma, é possível às crianças observarem
como se processa a respiração, o processo digestivo, ou mesmo,
o desenvolvimento do feto em gestação.
Ainda com relação às ilustrações, é
importante destacar que na apresentação de hipertextos e hipermídia,
é freqüente a utilização de ícones, cuja
função é a de facilitar a movimentação
e a realização de tarefas junto aos processadores de texto.
Esses símbolos exigirão dos usuários deste material
uma adaptação no seu processamento de leitura, a fim de que
se tornem aptos a interagirem com o equipamento de uma forma mais rápida
e ágil. Será necessária a presença de esquemas
mentais, anteriormente estabelecidos, que orientem na sua compreensão
e conseqüente utilização. O leitor terá de ser
capaz, agora, de compreender símbolos como, por exemplo, uma tesoura
que simboliza o ato de recortar, ou uma impressora que aciona o ato de imprimir
determinado documento.
Consideramos que as estratégias metacognitivas terão um papel
bastante importante na orientação da leitura de um hipertexto.
A complexidade, já destacada, deste tipo de material exigirá
do leitor o estabelecimento de rotinas que orientem sua navegação
entre os diversos textos, de forma a que não seja perdido o objetivo
principal estabelecido quando da decisão do início da leitura.
O conhecimento lógico será de vital importância, uma
vez que auxiliará o leitor na manutenção da coerência
em sua leitura, sem perder de vista o texto principal.
Destaca-se, ainda, como muito importante para a efetiva utilização
das inovações tecnológicas no processo de ensino/aprendizagem
o conhecimento da sala de aula, a interação social dela resultante
e o conhecimento pessoal e de mundo do leitor. A criança já
iniciada na utilização de equipamentos eletrônicos terá,
sem sombra de dúvidas, maior interesse e motivação para
o seu uso em sala de aula. No entanto, devemos estar atentos às diferenças
individuais de cada um, que podem trazer dificuldades de compreensão
para aqueles cuja utilização dos equipamentos não seja
tão óbvia e tranqüila. Nesse ponto, torna-se primordial
a atitude do professor na introdução dessas novidades, buscando
a adaptação dos alunos tornando-os aptos a interagirem com
os novos textos de uma forma adequada às suas necessidades.
5. CONCLUSÕES
A leitura é um dos elementos mais importantes a serem considerados
no processo de ensino/aprendizagem. Aqueles que são capazes de ler,
construindo significados, terão mais facilidades na aquisição
de novos conhecimentos e informações.
As inovações tecnológicas presentes nos dias atuais
vêm se desenvolvendo de uma forma bastante rápida, exigindo
dos educadores modificações em suas posturas e na apresentação
dos conteúdos a seus alunos. O hipertexto apresenta-se como uma ferramenta
importante que, se bem utilizada, contribuirá de forma efetiva = ara
o avanço das atividades de ensino/aprendizagem. Faz-se necessário,
no entanto, um conhecimento maior por parte daqueles envolvidos no processo
educacional, da estrutura desse instrumento. E preciso que se conheçam
suas particularidades, a fim de que sua utilização possa se
dar de forma efetiva e adequada às necessidades de seus usuários,
de forma geral.
De acordo com a teoria de Rudell, Unrau (1994) a leitura é um processo
de construção de significados, envolvendo o leitor, o texto
e o professor. O modelo apresentado por esses autores, por considerar o processo
de leitura no contexto instrucional de sala de aula, pode ser conceitualizado
como interativo sócio-cognitivo. Neste trabalho foram discutidos os
aspectos relativos ao conhecimento anterior necessário para a leitura
de textos lineares apresentado por esses autores, procurando verificar como
se apresentariam frente à leitura de um hipertexto.
Devido às diferenças econômicas e sociais presentes em
nossa sociedade, consideramos, para efeitos deste trabalho, crianças
provenientes de classe média e classe média alta, normalmente,
matriculadas em escolas particulares. Acreditamos que, considerando as condições
afetivas apresentadas no modelo de Rudell, Unrau (1994), essas crianças
não apresentarão problemas significativos na leitura de hipertextos.
A familiaridade com equipamentos eletrônicos presentes em seus lares,
bem como a utilização de brinquedos eletrônicos, tornarão
a aceitação deste tipo de material bastante fácil e
rápida. Destaca-se, no entanto, como fator importante, a atuação
dos professores na introdução desses novos instrumentos no
processo de ensino/aprendizagem. Pertencendo a gerações anteriores,
muitas vezes não familiarizadas com equipamentos eletrônicos,
as dificuldades de aceitação da sua utilização,
por parte dos professores, podem apresentar-se como dificultadores da sua
utilização adequada e efetiva.
No que diz respeito às condições cognitivas, a utilização
de esquemas mentais, anteriormente construídos pelo leitor, é
fator primordial para que se efetue uma leitura adequada dos hipertextos.
Devido à grande flexibilidade deste tipo de material permitindo a
navegação por diferentes textos, bem como a utilização
de elementos como sons, imagens e animação, o leitor deverá
manter claro seu objetivo e postura com relação à leitura.
Se isto não for possível, corre-se o risco de torná-la
leitura totalmente improdutiva, devido à falta de coerência
e estruturação da mesma.
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VÍLAN FILHO, Jayme Leiro. Hipertexto : visão geral de uma nova
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v. 23, n. 3, p. 295-308, set./dez.
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Magda Chagas Pereira
Professora do Departamento de Biblioteconomia e Documentação
Universidade Federal de Santa Catarina Doutoranda em Lingüística
[UFSC]
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis,
v. 3, n.3, p. 31-46, 1998.