FORMAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO CATARINENSE
E AS NOVAS TECNOLOGIAS: CONTRIBUIÇÃO DA ACB E DO
CRB-14
Elisa Cristina Delfini Corrêa
Bacharel em Biblioteconomia – Universidade do Estado de Santa Catarina
- UDESC
Mestre em Sociologia Política – Universidade Federal de Santa Catarina
-UFSC
Professora colaboradora do Departamento de Biblioteconomia - UDESC
E-mail: correa.net@ig.com.br
___________________________________
Resumo
Apresenta uma rápida visão histórica da introdução
de computadores e da informática nos serviços das bibliotecas,
especialmente as brasileiras. Analisa a contribuição das entidades
de classe ACB – Associação Catarinense de Bibliotecários
e CRB-14 – Conselho Regional de Biblioteconomia – 14a Região, na
educação continuada do profissional bibliotecário no
Estado de Santa Catarina, através da retrospectiva dos eventos e
cursos promovidos nos últimos cinco anos (1997-2001), especialmente
relacionados à questão das Novas Tecnologias e sua aplicação
no dia-a-dia das funções biblioteconômicas.
Palavras-chave
Formação profissional; Educação continuada;
Novas Tecnologias de Informação; Associação Catarinense
de Bibliotecários; Conselho Regional de Biblioteconomia - 14ª
Região.
THE LIBRARIAN’S EDUCATION IN SANTA CATARINA AND NEW TECHNOLOGIES: THE
CONTRIBUTION OF ACB AND CRB-14.
Abstract
This article shows a quick historical view about the introduction of computers
in library services. Also presents an analysis of the ACB – Associação
Catarinense de Bibliotecários and CRB-14 – Conselho Regional
de Biblioteconomia – 14th region – contribution to librarian’s profissional
education in Santa Catarina, showing their courses and events related to
New Information Technologies applied to library services, in the last five
years (1997-2001).
Keywords:
Professional Education; New Information Technologies, Associação
Catarinense de Bibliotecários, Conselho Regional de Biblioteconomia
– 14th region.
1 INTRODUÇÃO
A formação de um profissional normalmente é resultado
de um processo de aprendizado que, em regra geral, começa de maneira
teórica e vai aos poucos somando teoria e prática, seja através
dos estágios curriculares obrigatórios nos cursos de graduação,
seja através de um trabalho até então exercido de maneira
mais leiga do que técnica. Este processo educativo geralmente culmina
com a obtenção de um grau de bacharelado ou licenciatura,
o qual é coroado com a entrega de um diploma em uma solenidade de
colação de grau.
A partir de então, considera-se apto para exercer determinada profissão
no mercado de trabalho e na sociedade, o indivíduo que passou por
todas as etapas educacionais específicas de sua área de graduação,
conquistando o ‘status’ necessário para atuar dentro dela.
Até há bem pouco tempo atrás os passos acima mencionados
seriam suficientes no sentido de formar um bom profissional, um profissional
competente e preparado para um eficiente exercício de suas funções.
No entanto, este paradigma vem sendo revolucionado, dentre diversos fatores,
pelo ritmo acelerado de transformações advindas não
só das novas tecnologias que representam constantes alterações
nas práticas profissionais de uma enorme gama de trabalhadores das
mais diferentes áreas, mas também pelo constante fluxo de
informações que se traduzem na geração de novos
conhecimentos aplicáveis também às profissões.
Assim é que, ao terminar seu curso de graduação e
ingressar no mercado de trabalho, o indivíduo é desafiado
a participar de uma constante reciclagem e aperfeiçoamento profissional,
sob o risco de não permanecer competitivo o suficiente para manter-se
atuante neste mercado1.
Uma opção para este trabalhador reside na chamada “educação
continuada”. Através da participação em eventos,
cursos de curta duração, e de outros a nível de pós-graduação
(como os de especialização por exemplo) o indivíduo
adquire informações específicas e atualizadas dentro
de uma determinada área de seu interesse, acumulando conhecimentos
que lhe permitirão acompanhar mais de perto as transformações
de seu campo de trabalho 2.
A literatura específica da área é praticamente unânime
em afirmar que tanto a Biblioteconomia quanto o seu profissional estão
passando por diversas transformações em suas práticas
e paradigmas desde o advento da informática, e nas últimas
décadas, da Internet. Muitos destes autores relacionam a criação
de um novo perfil profissional ao seu processo de formação,
à sua educação. Tarapanoff (1989, p. 106) afirma que
“o volume da informação e as novas tecnologias obrigam hoje
o bibliotecário a repensar o seu perfil profissional e o seu papel
no mercado da informação... é necessário investir
em sua educação e treinamento”.
Giannasi et al (1995, p. 173), citando Cianconi (1991), indicam a existência
de um novo cenário no mercado da indústria e transferência
de informação:
um mercado aberto a novas atividades e carreiras diversificadas; um
mercado direcionado pela aplicação de novas tecnologias; um
mercado multidisciplinar; e um mercado que está sofrendo mudanças
de paradigmas onde a visão holística dos fenômenos e
recursos informacionais é cada vez mais enfatizada.
As autoras concluem que “este novo cenário exige uma nova postura
profissional e antes disso, para se conseguir uma nova postura é
fundamental uma boa formação, voltada para o enfoque das novas
tecnologias na sociedade atual.” (idem)
Ferreira (1994, p. 263) alerta que
o veloz desenvolvimento da Internet, o aparecimento de ferramentas que
permitem acessar e navegar seus recursos...são fatores que sem dúvida
exigem um repensar na formação atual dos profissionais e,
em particular, no cientista da informação (incluindo aqui
os bibliotecários, documentalistas, arquivistas, cientistas, pesquisadores
e outros).
Por entender a importância da preparação do profissional
através de seus cursos universitários e a necessidade cada
vez maior de uma complementação de seus estudos através
da educação contínua, é que este artigo traz
à tona aspectos referentes à formação do bibliotecário
em Santa Catarina.
São, portanto, identificados e registrados os esforços empreendidos
pelo Conselho Regional de Biblioteconomia – 14a Região e da Associação
Catarinense de Bibliotecários no sentido de oferecer subsídios
para uma atualização profissional através de cursos,
e eventos (congressos, simpósios e similares) nos quais o tema Novas
Tecnologias tenham sido abordados.
Os tópicos acima mencionados estruturam o assunto deste artigo em
duas partes distintas que revelam o caminho percorrido pelo bibliotecário
na construção de seu perfil profissional: a primeira delas
enfoca questões relacionadas à história deste profissional
em seu envolvimento com as chamadas Novas Tecnologias da Informação
(NTIs), especificamente ligadas ao uso da informática no exercício
de suas funções. A segunda refere-se às entidades de
classe e sua participação na formação profissional
no Estado de Santa Catarina em seu papel de provedora de oportunidades de
atualização profissional nesta área.
2 AS IMPLICAÇÕES DA INFORMÁTICA
A Biblioteconomia passou a fazer uso da informática especialmente
a partir dos anos 60 , quando houve razoável avanço técnico
dos equipamentos, melhoria da arquitetura interna dos computadores e o desenvolvimento
de linguagens de computação.
A primeira utilização dos computadores na Biblioteconomia
contemplou principalmente os aspectos técnicos do tratamento da documentação.
Lancaster (1994) divide o que ele chama de atividades da Biblioteconomia
“afetadas pela tecnologia” em dois grandes grupos: as atividades de controle
de inventário (circulação e serviços técnicos)
e as de recuperação de assuntos.
Na década de 603, a Biblioteca do Congresso,
nos Estados Unidos da América, deu início a um projeto que
visava a conversão dos dados catalográficos em forma legível
por máquina, criando a possibilidade de estabelecer um catálogo
centralizado e registros em fita magnética, facilitando a consulta
à distância. Destes estudos foram criados o MARC I e o MARC
II (Machine Readable Cataloging) cuja última versão foi adotada
pela ISO como padrão internacional de serviços de catalogação.
Baseado nestes sistemas, no Brasil a Fundação Getúlio
Vargas criou, em 1978 o Bibliodata Calco, sistema de catalogação
cooperativa no qual as bibliotecas participantes cooperam em rede, tanto
incluindo dados de obras catalogadas em suas bibliotecas (através
de planilhas preenchidas manualmente nas quais dados catalográficos
seriam posteriormente convertidos para computador), quanto recebendo dados
de obras catalogadas em outras bibliotecas.
Assim é que algumas estratégias de trabalho bibliotecário
passaram gradualmente a ser desenvolvidas por computador a partir de então,
o que representou uma significativa alteração não só
na rotina do bibliotecário, mas também no seu perfil profissional.
Além das qualidades tradicionalmente exigidas do bibliotecário,
o profissional deveria agora também adquirir conhecimentos de informática,
o que sem dúvida caracterizou-se como um grande desafio.
A informática na Biblioteconomia representou uma importante ruptura
em seu estilo tradicional de lidar com a informação. Entre
outras coisas, foi a partir dela que o trabalho solitário de catalogação
passou a ser feito de forma coletiva, em rede. Inovações desta
natureza levaram o profissional a repensar sua maneira de trabalhar a informação.
Trabalhar a informação, organizando-a e disponibilizando-a
aos usuários tem sido o principal objetivo do bibliotecário
desde os mais remotos tempos. Esta talvez seja a melhor expressão
de seu ethos, sua essência. No entanto, as formas de desempenhar o
seu papel vem sendo alteradas periodicamente, principalmente em função
do desenvolvimento da sociedade como um todo.
Souza (1995, p. 13) comenta que o papel do bibliotecário não
pode ser definido como algo distinto da prática social. Segundo ele,
“esse papel deverá se estabelecer como uma relação
vivencial, como um vir-a-ser, algo a ser construído a partir das
determinações de uma prática social historicamente
localizada”.
Desta forma, numa sociedade onde a utilização de equipamentos
informatizados torna-se cada vez mais comum, é de supor-se que bibliotecas
e bibliotecários construam juntamente com esta sociedade novas práticas
de trabalho nas quais as ferramentas que a informática oferece
possam ser utilizadas. E foi assim que os bibliotecários lidaram
com a informática: em primeiro lugar, como apenas uma máquina
a mais dentro da biblioteca. A utilização dos computadores
dentro do ambiente da biblioteca servia como um instrumento que possibilitava
ao profissional agilizar seus serviços.
No Brasil, essa utilização foi chamada de “automação”,
processo que tomou impulso principalmente a partir da década de 80.
Duas avaliações importantes sobre a chamada automação
de bibliotecas foram realizadas analisando as implicações
da informática nas mesmas. A primeira delas, um estudo publicado
por McCarthy em 1989, faz um levantamento das bibliotecas automatizadas no
Brasil no início da década de 80, e apresenta os resultados
da introdução da informática no trabalho bibliotecário
brasileiro da época. Dentre os resultados da pesquisa, verificou-se
que:
- as bibliotecas nas quais era possível encontrar um computador
geralmente eram pertencentes a órgãos governamentais considerados
de alta prioridade, como agricultura e energia; ou a algumas universidades
federais e instituições de pesquisa, tais como as que atuavam
nos campos aeroespacial, da engenharia e de computação e,
principalmente, aquelas localizadas nas regiões mais desenvolvidas
do país;
- dos processos específicos do trabalho bibliotecário,
o catálogo automatizado era o mais comum, encontrando-se em muito
menor escala os sistemas de empréstimo (na maioria, feito através
de cartões perfurados) e de aquisição.
Outro estudo também realizado por McCarthy (1995) em
parceria com Schmidt, continua a analisar as mudanças nas bibliotecas
brasileiras, a partir das inovações tecnológicas no
início da década de 90. Algumas das constatações
resultantes deste novo estudo são:
- o número de bibliotecas que utilizavam computador aumentou
em 109% no período entre a 1ª e a 2ª pesquisa, o que significava
um rápido e considerável desenvolvimento;
- as regiões mais desenvolvidas do Brasil continuavam a concentrar
o maior número de bibliotecas automatizadas (mais da metade encontrava-se
no Sudeste);
- as bibliotecas universitárias representavam 48% do total de
bibliotecas informatizadas;
- a maior diferença entre as duas análises residia no
fato de que, nesta, mais de 80% das bibliotecas ofereciam serviços
informacionais a partir de bases de dados, a maior parte em CD-ROM e principalmente
da área médica;
- a catalogação automatizada ainda disparava em primeiro
lugar (quase 90% das instituições). No entanto, a maior parte
dela era feita ainda individualmente e de forma independente, sendo que
a catalogação em rede ainda não era muito comum (25%).
Ao comentar sobre a grande porcentagem de bibliotecas que utilizam o computador
no serviço de catalogação, tanto na primeira quanto
na segunda pesquisa, McCarthy (1992, p. 14) afirma que “isto reflete não
somente o papel fundamental do catálogo dentro da biblioteca, mas
também a ênfase dada a este assunto nas Escolas de Biblioteconomia
no Brasil”.
Em Santa Catarina, levantamentos que objetivaram conhecer o nível
de desenvolvimento da automação em Bibliotecas foram realizados
a partir da década de 90 por Romani (1990) ; Ohira (1992) e Ohira
et al. (1994), sendo destacados os seguintes avanços:
- Crescimento do número de bibliotecas automatizadas e/ou em
vias de automação;
- Identificação pela utilização do mesmo
software visando o intercâmbio de bases de dados;
- Consciência dos profissionais envolvidos no processo de automação
pela adoção de um Formato de Intercâmbio Bibliográfico
e Catalográfico, visando o intercâmbio de dados em meio magnéticos;
- Equipamentos (microcomputador) e periféricos disponíveis
nas Unidades de Informação;
- Necessidade das bibliotecas em participar de Redes visando o trabalho
cooperativo;
- Preocupação dos profissionais da informação
pelos cursos na área de Informática, visando melhor domínio
das tecnologias disponíveis;
- Maior número de softwares (gerenciadores de bases dados) disponíveis
no mercado
- Crescimento do número de trabalhos publicados na literatura,
relatando, principalmente, quais as dificuldades e problemas encontrados
no processo de automação.
Desta forma, é possível argumentar que a manutenção
do ethos da Biblioteconomia passava pela sua capacidade em lidar com suas
intrincadas e específicas regras de catalogação. A
introdução dos computadores na biblioteca serviu então,
primeiramente, como uma ferramenta de auxílio no desempenho do trabalho
de catalogação dos documentos. Embora a catalogação
em rede tenha sido criada no final da década de 70, os resultados
da pesquisa de McCarthy (1995) indicam que, no início da década
de 90, apenas 25% das bibliotecas que já se utilizavam de computadores
participavam da rede Bibliodata Calco.
Parecia ser ainda muito forte a tendência para um trabalho
individual e fechado, concentrado nas técnicas bibliotecárias
criadas no século XIX. Por outro lado, a criação de
bases de dados aparentemente recebia atenção especial por parte
de algumas bibliotecas como por exemplo a UNICAMP, USP e UNESP que, em 1994,
já possuíam seu acervo disponibilizado em CD-ROM.
Estas pesquisas demonstram que o computador foi aos poucos sendo
acomodado entre os demais equipamentos da biblioteca. Em muitas delas, vemos
ainda hoje a utilização dos computadores apenas como um catálogo
a mais, no qual o usuário pode consultar dados sobre o acervo em
“átomos” que a biblioteca possui.
Por outro lado, a inserção dos computadores no ambiente
da biblioteca proporcionou também o seu acesso à rede Internet
e, por via de consequência, às bibliotecas virtuais e todo
o intenso fluxo de informação eletrônica nelas contidas.
As bibliotecas têm, ao longo de sua história, se adaptado
aos novos suportes de informação, buscando outras maneiras
de organizar e distribuir o saber. Quando, então, no final do século
XX surgem os textos eletrônicos, mais uma vez as bibliotecas vêem-se
desafiadas a acompanhar as mudanças e proporcionar meios de trabalhar
este novo tipo de informação. Como resposta a este novo quadro
informacional apresentado pelas redes de computador, surgem as bibliotecas
virtuais.
A virtualização do texto e a criação
de bibliotecas capazes de organizá-lo são temas extremamente
recentes. Por este motivo, ainda não é possível chegar
a definições totalmente sólidas e estabelecidas a respeito
das bibliotecas virtuais e há muita divergência inclusive na
utilização de termos como “virtual” e “digital”. No entanto,
pelo menos três orientações tem sido seguidas, as quais
são apresentadas a seguir4 :
- Bibliotecas digitais: este conceito refere-se às bibliotecas
convencionais, alocadas em um determinado prédio que, além
de já possuirem informatização de seus serviços
possuem também um acervo com obras digitalizadas, acessíveis
‘online’. Estas bibliotecas podem ou não ser acessadas pela Internet.
Seu acervo pode estar disponível através de intranets, ou seja,
redes internas dentro de uma instituição.
- Bibliotecas virtuais: quando, além da informatização
e digitalização do acervo, a biblioteca ainda oferece acesso
a outras fontes informacionais. Este conceito traz a idéia de um
“pool” de bibliotecas espalhadas em diversas localidades físicas
distintas: um conjunto de bibliotecas digitais, mais obras de referência
e bancos de dados de acesso ‘online’ interligados através de uma
rede. Associado a este conceito, encontra-se o de “multimídia virtual”.
A partir de um determinado documento recuperado na biblioteca de multimídia
virtual, o usuário pode acessar outros documentos que nele estejam
citados ou em notas de rodapé, ou nas referências bibliográficas.
Com um “click” na tela do computador, outros textos se abrem através
de pontos internos de ligação dentro dos documentos.
- Bibliotecas com realidade virtual: neste conceito, o termo “realidade
virtual” assume uma conotação ainda mais recente. Aqui, a
biblioteca além de possuir os requisitos acima, oferece também
a simulação do ambiente da biblioteca convencional. Através
de equipamentos especiais, o usuário tem a sensação
de estar dentro de uma biblioteca, caminhar dentro dela e fazer suas buscas
inclusive indo até às estantes. Outro termo, hipermídia,
tem lugar neste tipo de biblioteca. Este sistema interativo permite ao usuário
reorganizar sua biblioteca virtual da maneira que melhor lhe parecer. Com
a simulação do ambiente e a possibilidade de entrar nele, o
usuário poderá, por exemplo, interferir na maneira como estão
reunidos os documentos, agrupando-os por autor ao invés de por assuntos.
As tecnologias de multimídia e hipermídia, apesar de já
serem uma realidade na área da informática, ainda não
são tecnologias correntes nas bibliotecas. Destes conceitos, o mais
conhecido e utilizado é o de biblioteca virtual, amplamente difundida
pela Internet.
Estas mudanças serviram de ponto de partida para discussões
polêmicas quanto ao futuro das bibliotecas convencionais. Durante
algum tempo, o fantasma da substituição das bibliotecas convencionais
pelas bibliotecas digitais e virtuais “assombrou” a comunidade bibliotecária.
Profecias nada otimistas previam o fim não só das bibliotecas
como, inclusive, o da escrita, do livro em si.
Dentre os autores que compartilham essa visão, encontra-se Nicholas
Negroponte (1995). Em seu livro “A Vida Digital” o autor afirma que é
só uma questão de tempo para que o livro digital substitua
o livro impresso. Ele atribui como principais razões as dificuldades
de transporte e controle de estoque, possibilidades de esgotamento de edições
– problemas que, segundo o autor, a informática já resolveu.
Aponta ainda como pontos favoráveis ao livro digital, a possibilidade
de interatividade leitor/texto e a crescente evolução de aparelhos
eletrônicos que possibilitem maior prazer na leitura digital.
Uma análise mais cuidadosa, porém, revela que a virtualização
do texto, a informatização da comunicação em
si, e os diferentes modos de armazenagem e disseminação criados
pela nova situação virtual, não está conduzindo
a um processo de exclusão propriamente dito. Ambas as formas de informação,
assim como de armazenamento e difusão, podem e estão caminhando
juntas, observando-se um interessante processo de aglutinação
e não de exclusão.
Baran (1995) afirma que a biblioteca virtual pode aperfeiçoar
as convencionais, e que lhe parece improvável que milhões
de páginas de literatura, arte, história, etc. que foram impressas
ao longo de toda história humana sejam convertidas ao formato eletrônico.
O autor comenta que toda a informação eletrônica da
Internet representava, quando da redação de seu livro, cerca
de um terço do volume de informação impressa em uma
biblioteca universitária nos Estados Unidos.
Com relação às tarefas da biblioteca virtual
e sua cooperação com a biblioteca convencional, Baran (1995,
p. 147) afirma:
No momento, as bibliotecas estão presas entre o passado e o futuro,
fazendo a difícil transição de instituições
baseadas em material impresso a repositórios computadorizados, digitalizados,
tanto de informação eletrônica quanto impressa...O poder
real da infovia com respeito às bibliotecas reside na capacidade
de realizar buscas de material em bibliotecas ao redor do mundo.
Apesar disso, existem diferenças marcantes entre os dois
tipos de bibliotecas mencionados. As bibliotecas virtuais aproveitam-se
do deslocamento, ou da “compressão espaço-tempo” e percorrem
infovias virtuais, buscando em todas as partes informações
dos mais diversos gêneros, reunindo-as em um determinado ponto do universo
virtual, disponibilizando-as através da conexão de uma rede
qualquer.
Neste sentido é que as tarefas básicas das bibliotecas
virtuais possuem caráter extraordinário. Rincón Ferreira
(1997) enumera algumas dessas tarefas:
1. criação de um ambiente compartilhado que conecte
os usuários a coleções de informação
pessoal, encontradas em bibliotecas convencionais e coleções
de dados usadas por cientistas;
2. desenvolvimento de interfaces de informação gerais ou
especializadas relevantes aos seus usuários;
3. provisão de acesso a um grande número de fontes de informação;
4. promoção de um ambiente que permita a experimentação
e incorporação de novos serviços e produtos.
Dentre as tarefas citadas por Rincón Ferreira
merece destaque o papel social que as bibliotecas virtuais assumem neste
contexto de criação de um ambiente compartilhado entre uma
nova e distinta categoria de usuários: os da comunidade virtual.
Peter Lyman (1997) desenvolve um argumento segundo o
qual as bibliotecas em geral possuem uma ligação muito estreita
com o sentimento de comunidade, chegando inclusive a ser parte responsável
pelo sustento deste sentimento. Assim, ele afirma que:
- as bibliotecas nacionais ajudam a definir uma cultura nacional;
- as bibliotecas públicas colaboram no sustento da sensação
de identidade cívica;
- as bibliotecas escolares e universitárias ajudam a definir
uma sensação de comunidade acadêmica.
Para Lyman, a comunicação virtual cria
uma sensação de participação em uma comunidade
que transcende o tempo e a geografia, como se estivéssemos em um “novo
tipo de mundo social”, do qual a biblioteca virtual faz parte integrante,
agindo como instituição mantenedora deste tipo de sentimento,
assim como as demais. O autor cita como um dos objetivos da biblioteca virtual,
o fato de tornar-se um lugar para compartilhamento de idéias e a
base da cooperação social entre as nações.
Embora pareça exagerado afirmar que as bibliotecas virtuais
sejam a base de uma cooperação social, não se pode
negar que as mesmas têm participado ativamente desse processo virtualizado
e globalizado de interação mundial e de construção
das chamadas comunidades virtuais.
Partindo de toda esta trajetória histórica que vai
desde as pinturas rupestres até ao quase ilimitado ciberespaço,
percebe-se o homem trabalhando não só para registrar seu pensamento,
mas também para conservá-lo e organizá-lo. As tecnologias
por ele utilizadas para esta finalidade foram também por ele criadas
e aperfeiçoadas. Isto representa uma caminhada que teve um início
e ainda não chegou ao seu limite final.
Para intervir no processo de virtualização,
tornando-se agente construtor deste novo modo de organizar e disseminar
as informações, o bibliotecário deve ser capaz de
interagir com a máquina, de falar a sua linguagem, de saber como
utilizá-la e como criar a partir dela.
A adaptação aos meios informatizados consiste numa
construção social e, como tal, supõe o uso de determinadas
tecnologias educacionais capazes de permitir o aprendizado e treinamento
adequado. Com base nessas premissas são apresentadas, a seguir, as
oportunidades criadas pelos órgãos de classe em Santa Catarina,
no sentido de promover a capacitação para o uso destas tecnologias
pelo profissional bibliotecário.
3 A PARTICIPAÇÃO DO CRB-14 E DA ACB NA FORMAÇÃO
DO BIBLIOTECÁRIO
A contribuição dos órgãos da categoria,
em Santa Catarina, para a formação continuada do profissional
bibliotecário no Estado dá-se principalmente através
da promoção de eventos, nos quais temas de interesse são
abordados em palestras, conferências ou mesas redondas. Com relação
às Novas Tecnologias, destaca-se nos últimos cinco anos, a
promoção dos seguintes eventos:
- 16º Painel de Biblioteconomia, realizado em 1997. Nesta ocasião,
foi oferecido o curso “Biblioteca Virtual: conceitos, exemplos e viabilidade”.
- 1º Ciberética – realizado em finais de 1998. Participaram
deste encontro não apenas profissionais de Santa Catarina, mas também
de outros estados e até outros países. Os temas apresentados
que se relacionam diretamente com as tecnologias de informação
foram: a) Impacto educativo da informática, onde a Internet foi discutida
como provedora de recursos educativos através de ambientes de estudo,
da multimídia, realidade virtual e hipermídia educativa; b)
Thesaurus5 versus linguagem livre na
era digital, sendo debatida a questão do tratamento temático
de informações em sistemas ‘online’ na área jurídica;
c) Ensino à Distância e a importância da Internet no
processo de educação continuada e formação de
pós-graduação; d) Documentos digitais com enfoque dado
a aspectos jurídicos, como questões de segurança, produção
de documentos, reutilização e modificação de
originais e regulamentações de uso; e) Propriedade intelectual,
sendo discutido os direitos autorais na Internet e enfocados os aspectos
legais ligados à questão.
- 18º Painel de Biblioteconomia, realizado em 1999. Dentre as
temáticas relacionadas às NTIs, foram debatidos assuntos
como: a) Bibliotecas Públicas e a Rede Mundial Internet, com destaque
para a relação entre a Internet, as bibliotecas e os bibliotecários
em termos de categorias, endereços e serviços na rede; b) o
uso da Internet na Educação com relatos de experiências
em implantação de bibliotecas virtuais em escolas; c) metodologias
para seleção e coleta de documentos em bases de dados, d) o
comportamento das bibliotecas jurídicas em Florianópolis face
à Internet.
- 19º Painel de Biblioteconomia, realizado em 2000. Mais uma vez
foi dado ênfase às NTIs, nas reuniões centrais e nos
fóruns que aconteceram paralelamente ao Painel, com destaque ao I
Forum Catarinense de Informação em Ciências da Saúde,
cujo tema central foi “A informação em saúde X Tecnologias
da Informação”, sendo oportunizado na ocasião um treinamento
para acesso a Bases de Dados. Mais uma vez assuntos como Internet e novas
mídias eletrônicas na educação, foram abordados
em palestras e debates. Foram também discutidos assuntos como Novas
Tecnologias e o futuro da biblioteca escolar, consórcio eletrônico
de catalogação cooperativa e o impacto social da tecnologia
na Informação Jurídica.
- 20º Painel de Biblioteconomia, realizado em 2001. Destacam-se
os assuntos: a) Campo de atuação do Bibliotecário e
Tecnologias de Informação e Comunicação; b)Avaliação
da produção científica dobre Bibliotecas Virtuais e
Digitais nos Periódicos Brasileiros; c) Modelo de Gestão da
Informação digital online em bibliotecas acadêmicas e
a importância da Lista de discussão como canal de comunicação
de bibliotecários, d) Documentos eletrônicos, com abordagem
para os aspectos jurídicos. Além de relatos de experiências
com sistemas de informatização de bibliotecas (FURB e UNIVALI).
Também nos Fóruns de Informação Jurídica,
de Bibliotecas Escolares e Públicas a temática de algumas apresentações
girou em torno do assunto aqui trabalhado, como por exemplo: A compreensão
da leitura em diferentes suportes textuais (o hipertexto), medicina baseada
em evidências e a Base de Dados Cochrane, O Amante Virtual e a experiência
com a Biblioteca Virtual do Comitê da Qualidade Informática
Jurídica.
Enquanto associação de classe, a ACB tem demonstrado
sua preocupação em contribuir com a formação
do bibliotecário em Santa Catarina através de cursos em diversas
áreas relacionadas ao exercício da profissão. Dentre
eles, destaca-se o de “Internet para Bibliotecários” ministrado em
27/28 de maio/1999 (e 26/29 julho/99, em segunda edição),
que oferecia informações básicas de navegação,
bem como sobre o uso de mecanismos de busca, etc6
.
4 CONCLUSÃO
O uso de tecnologias no trabalho bibliotecário
é tema constante em todos os eventos promovidos pela ACB e CRB-147.
Estes eventos buscam levar ao profissional informações que
contribuam para sua atualização e um compartilhamento de idéias
e experiências, além de promover o tão necessário
debate através de uma discussão periódica.
Por outro lado, não poderão jamais suprir completamente
a necessidade de educação continuada exigida pelo mercado
atual. Dependerá muito mais do esforço de cada um, do interesse
em crescer enquanto profissional, de buscar maneiras novas de aprender e
assim conquistar espaços cada vez maiores e melhores no seu campo
de atuação.
Segundo as diretorias da ACB e CRB-14 , a frequência do profissional
ativo no mercado de trabalho catarinense nos eventos e cursos acima mencionados,
revela que este ainda não tem demonstrado interesse em dar continuidade
à sua formação através dos meios oferecidos,
a não ser com algumas exceções. Em geral, trata-se de
uma mesma clientela já conhecida que sempre se faz presente nestes
encontros. Esta minoria, segundo a opinião destes órgãos,
representa uma parcela do profissional bibliotecário que tanto tem
investido em seu crescimento pessoal, quanto colaborado para o crescimento
da Biblioteconomia enquanto ciência e profissão.
Portanto, o que se conclui é que as novas tecnologias
acionaram a produção e a circulação de um novo
tipo de informação que requer uma nova maneira de tratamento,
criando um intrigante campo de trabalho cujas oportunidades estão
abertas democraticamente a todo profissional que a ele puder ou quiser integrar-se.
A Biblioteconomia em Santa Catarina, através
de seus órgãos de classe, atenta para este fato e demonstra
isso na promoção de debates e cursos em eventos da categoria.
No entanto, parece faltar ao bibliotecário atuante
no mercado de trabalho em Santa Catarina, a ampliação de sua
visão em relação às oportunidades oferecidas
pela Internet, para que sua participação na rede ultrapasse
a de “usuários que auxiliam outros usuários” na pesquisa de
seu potencial informativo. Desta forma, uma parte desta profissão
poderá estar seriamente comprometida em termos de futuro, especialmente
em suas funções de mediador da informação.
Também em relação ao exercício
da profissão direcionada à organização da informação,
se o bibliotecário não se apressar na busca de uma interação
mais ousada quanto à criação das bibliotecas virtuais,
outras profissões tomarão este espaço utilizando-se
(consciente ou inconscientemente) de técnicas próprias da Biblioteconomia,
fechando assim o círculo de oportunidades para este profissional.
Verifica-se, então, a necessidade deste bibliotecário
olhar retrospectivamente e voltar-se um pouco mais à origem, à
finalidade primordial de sua formação. Se trabalhar a informação
sempre foi o objetivo principal do bibliotecário, este deveria olhar
para a informação virtual e para os textos que fluem no ciberespaço
como seu objeto de trabalho também. O direcionamento deste olhar
poderá levá-lo a imaginar diferentes formas de utilizar seus
conhecimentos na utilização das NTIs e na construção
das infovias.
Notas
1 .Não se trata aqui de um comentário fatalista com relação
ao fim dos empregos, como quer por exemplo Jeremy Rifkin (1995) ao
afirmar que “a super-rodovia da informação eletrônica
mudará os padrões de emprego...Categorias inteiras de trabalhadores
minguarão e, em alguns casos, desaparecerão completamente”
(p.172). A idéia trabalhada aqui leva à percepção
da necessidade de um constante aperfeiçoamento e atualização,
aproximando-se mais da opinião de Giannasi (1995): “É preciso
ter clareza de que a rapidez das mudanças tecnológicas não
permite que um curso básico de formação profissional
seja o último na vida de um indivíduo, mas sim, que ele seja
complementado por programas de educação contínua para
atualização e especialização” (p.171).
2. A educação continuada vem assumindo caráter
cada vez mais emergente. Um exemplo concreto disso está na criação
do IEC – Instituto de Educação Continuada (PUC Minas Gerais),
que oferece cursos de especialização em diversas áreas
do conhecimento.
3. Fonseca (1992) menciona este fato, salientando também que
“a aplicação do processamento de dados nas bibliotecas remonta
os anos de 1935 – quando foi pela primeira vez utilizado na Universidade
do Texas – e 1941 – quando a Biblioteca Pública de Boston introduziu
os cartões perfurados (punched cards) no controle de empréstimo
de livros” (op.cit, p.44)
4. Informação verbal coletada em palestra proferida por Silvana
Vidotti.
5. Por thesaurus entende-se um vocabulário controlado de uma determinada
área do conhecimento, cujos termos que o compõe são
utilizados como palavras-chaves para indexação de documentos.
6. O conteúdo deste curso está disponível na página
da Internet: http://www.geocities.com/ublattmann/internet
7. Os depoimentos mencionados foram coletados em entrevista e estão
em detalhes na dissertação de mestrado da autora, de onde
também se origina este artigo.
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