BIBLIOTECA NA ESCOLA

Graça Maria Fragoso

Resumo

Aborda reflexões referentes ao papel da biblioteca na escola. Aponta a necessidade de existir um órgão nacional com o intuito de cuidar especificamente dessas bibliotecas. Destaca a importância das secretarias estaduais e municipais em desenvolver estruturas permanentes na implementação e manutenção de bibliotecas escolares. As atividades das bibliotecas escolares necessitam estarem centradas no processo pedagógico.

Palavras-chave: Biblioteca escolar; Leitura; Processo pedagógico; Bibliotecário escolar; Escola – Biblioteca

1 INTRODUÇÃO

Longe de constituir mero depósito de livros, a biblioteca escolar é um centro ativo de aprendizagem. Nunca deve ser vista como mero apêndice das unidades escolares, mas como núcleo ligado ao pedagógico . A Bibliotecário trabalha com os educadores e não apenas para eles ou deles isolados. Integrada à comunidade escolar, a biblioteca proporcionará a seu publico leitor uma convivência harmoniosa com o mundo das idéias e da informação..
Graça Maria Fragoso
 
São muitas, mas invariavelmente distorcidas, as visões que se costuma ter de uma biblioteca. Ora é lugar sagrado, onde se guardam objetos também sagrado, para desfrute de alguns eleitos, ora, sob uma óptica menos romântica, é apenas uma instituição burocratizada, que serve para consulta e pesquisa, assim como para armazenar bolor, cupins e traças. Para poucos, aqueles que a freqüentam assiduamente, ela constitui o local do encontro com o prazer de ler, conhecer, informar-se.

O fato é que, quando se trata de Brasil, a maioria das pessoas desconhece o verdadeiro papel de uma biblioteca em suas vidas e, portanto, na vida da comunidade. E esta afirmação se aplica tanto aos usuários potenciais quanto àqueles que de um modo ou outro têm responsabilidade pelo seu funcionamento, como as escolas. Por inúmeras razões, as bibliotecas escolares brasileiras estão ainda longe de cumprir sua importantíssima função no sistema educacional. Poucas instituições dispõem dos recursos e da visão necessários (duas condições que nem sempre andam juntas...) para manter uma biblioteca digna desse nome. E raros são os profissionais empenhados em prestar serviços que realmente dêem suporte ao aprendizado e à vida cultural da escola. 

2 ZELO E RABUGICE

 As mudanças têm sido profundas e muito mais velozes, em relação ao ritmo de desenvolvimento da vida humana na Terra até cem anos atrás. Os meios de comunicação se aperfeiçoaram e continuam a se transformar em uma progressão cada vez mais vertiginosa, já que, em matéria de tecnologia, o novo torna-se obsoleto praticamente a toda hora. No terreno da leitura, as inovações audiovisuais, se assim se pode defini-las – parecem, ameaçar o futuro do livro convencional.

No Brasil – como, em todo os chamados “países em via de desenvolvimento” - a questão não é apenas o quê se lê atualmente, mas quantos estão lendo. A pouca leitura pode ser efeito da concorrência com outros meios de comunicação, porém, entre nós, ela é principalmente o reflexo de um sistema educacional que há várias décadas vem se deteriorando. Por isso costuma-se dizer que a invenção da imprensa gerou um número quase ilimitado de leitores: sem planos e ações educacionais solidamente estruturados, ainda que se façam grandes esforços para reduzir o analfabetismo - e, no caso brasileiro, com reduzido resultado - ainda não se cria uma população leitora. E nem, é óbvio, cidadãos conscientes e atuantes.

Conseqüência direta ou indireta desse quadro, na grande maioria das escolas brasileiras, quando há bibliotecas prevalece um sistema arcaico de utilização e aproveitamento do acervo e não apenas por indigência material.

 Mesmo aquelas que podem se dar o luxo de algum aparato tecnológico e de práticas mais modernas relutam em investir nos recursos humanos, deixando que alguns velhos cacoetes culturais perdurem. Por exemplo, o de improvisar um guardião que terá como missão, de fato, guardar o geralmente precário material bibliográfico. E o fará, geralmente também, com um zelo e uma rabugice de burocrata. Os leitores da assim chamada biblioteca - crianças e adolescentes, em sua maioria - irão freqüentá-la com igual despreparo e desinteresse, sub-utilizando sempre os possíveis recursos. E o contato prazeroso com a leitura - já de si tão problemático nestes tempos de cultura visual -, este sim, passa por metamorfose definitiva: ler se torna mais um entre os deveres escolares.

3 DE NORTE A SUL

A situação da biblioteca escolar no Brasil é reflexo do contexto em que ela tem existência, qual seja, o da educação. Portanto, não é grande surpresa a dificuldade em se obterem dados atualizados sobre essa situação - quantas escolas possuem bibliotecas, o porte de seus acervos, quais têm profissionais especializados em seu comando e daí por diante.

De norte a sul do País", constatamos, as escolas enfrentam inúmeras dificuldades para organizar uma biblioteca, manter - mesmo precariamente - as que existem ou ainda para tentar integrá-las no processo educacional."

Com isso, milhões de alunos ficam privados de material bibliográfico, leitura e de outras fontes de informação além do próprio professor e do material didático. Em última análise, então, educandos sem acesso a uma biblioteca em sua própria escola correm mais o risco de ficar à margem de um ensino democratizado.

Como não existe um órgão nacional que cuide especificamente de bibliotecas escolares, as questões relativas a elas têm que ser administradas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. E mesmo estas não dispõem, em sua maioria, de dados precisos e atuais sobre a situação das bibliotecas escolares.

4 AS DUAS FUNÇÕES

Embora tão marginalizada de nosso sistema educacional, a biblioteca escolar tem funções fundamentais a desempenhar e que podem ser agrupadas em duas categorias - a educativa e a cultural.

Na função educativa, ela representa um reforço à ação do aluno e do professor. Quanto ao primeiro, desenvolvendo habilidades de estudo independente, agindo como instrumento de auto-educação, motivando a uma busca do conhecimento, incrementando a leitura e ainda auxiliando na formação de hábitos e atitudes de manuseio, consulta e utilização do livro, da biblioteca e da informação. Quanto à atuação do educador e da instituição, a biblioteca complementa as informações básicas e oferece seus recursos e serviços à comunidade escolar de maneira a atender as necessidades do planejamento curricular.

Em sua função cultural, a biblioteca de uma escola torna-se complemento da educação formal, ao oferecer múltiplas possibilidades de leitura e, com isso, levar os alunos a ampliar seus conhecimentos e suas idéias acerca do mundo. Pode contribuir para a formação de uma atitude positiva, frente à leitura e, em certa medida, participar das ações da comunidade escolar.

Nessas funções, por assim dizer, "ideais" de uma biblioteca escolar, estariam implícitos seus objetivos como instituição, que relacionamos a seguir:

a)      cooperar com o currículo da escola no atendimento às necessidades dos alunos, dos professores e dos demais elementos da comunidade escolar;

b)      estimular e orientar a comunidade escolar em suas consultas e leituras, favorecendo o desenvolvimento da capacidade de selecionar e avaliar;

c)      incentivar os educandos a pensar de forma crítica, reflexiva, analítica e criadora, orientados por equipes inter-relacionadas (educadores + bibliotecários);

d)      proporcionar aos leitores materiais diversos e serviços bibliotecários adequados ao seu aperfeiçoamento e desenvolvimento individual e coletivo;

e)      promover a interação educador -bibliotecário- aluno, facilitando o processo ensino-aprendizagem;

f)        oferecer um mecanismo para a democratização da educação, permitindo o acesso de um maior número de crianças e jovens a materiais educativos e, através disso, dar oportunidade ao desenvolvimento de cada aluno a partir de suas atitudes individuais;

g)      contribuir para que o educador amplie sua percepção dos problemas educacionais, oferecendo-lhe informações que o ajudem a tomar decisões no sentido de solucioná-los., tendo como ponto de partida valores éticos e cidadãos.

5 DE GUARDIÃO A MEDIADOR

De nada serviria uma bela biblioteca escolar, com espaço físico e acervo adequados às necessidades escolar se, para exercer as funções e cumprir seus objetivos, não estiver em seu comando um profissional consciente, com sensibilidade e habilitações básicas para manter esse espaço de cultura e informação bem azeitado e atraente, onde a técnica é utilizada para produzir conhecimento . Entre as habilitações se incluem: conhecimentos subjetivos – interativos, cognitivos e éticos; conhecimentos profissionais – fontes de informação, organização e classificação, geração e uso de bases de dados; conhecimentos pedagógicos – adaptação dos conteúdos específicos para ações de orientação e instrução (formar e informar ) . É verdade que a maior parte das bibliotecas escolares brasileiras não conta com o bibliotecário à sua frente. Uma série de motivos podem ser apontados como causas desta situação.

Portanto, para atuar como bibliotecário escolar, o profissional deve ser essencialmente um leitor e ter, entre outras habilidades, competência para oferecer oportunidades, materiais e atividades específicas, visando despertar o interesse da comunidade escolar pela biblioteca para, a partir daí, poder trabalhar no desenvolvimento de métodos leitores.

A gerencia das atividades requer planejamento e criatividade por parte do profissional que atua na biblioteca . Um exemplo: ao narrar histórias para crianças das primeiras séries, ele poderá abrir caminho leitura como opção e não obrigação . Neste ponto, é oportuna uma observação: não se quer falar em hábito de ler, uma atitude mecânica e obrigatória como, por exemplo, escovar dentes; fala-se, sim, daquela "compulsão" de procurar e saborear determinado livro ou texto, daquela necessidade tão natural que se pode compará-la à de um gourmet que habitualmente antegoza e depois frui um belo prato.

Ler poemas, para despertar emoções e sentidos; realizar exposições, entrevistas; promover a leitura de textos teatrais; oferecer atividades em diversos campos da arte, como a mímica, a dramatização, a pintura; eis algumas das ações que bibliotecários escolares podem e devem empreender no recinto da biblioteca ou fora dela, mas sempre em consonância com o currículo e coadjuvando o trabalho do corpo docente.

Em síntese, sua grande tarefa é tornar a biblioteca da escola um lugar agradável, dinâmico, onde prevaleça um clima de harmonia entre ele e o público, seja qual for a faixa etária ou a posição deste na hierarquia da escola.

A principal barreira a ser vencida nesse convívio parece ser a que tacitamente se ergue entre o educador e o bibliotecário. Este, por nem sempre estar bem entrosado com o ambiente educacional, costuma fechar-se em seus "domínios", tornando-se apenas mero entregador de livros. O professor, por utilizar exclusiva ou principalmente a aula discursiva, uma obsolescência pedagógica, prescinde do bibliotecário e não o procura. E assim se têm perdido ótimas oportunidades de um trabalho entrosado que propiciaria a aprendizagem baseada na indagação e na busca de conhecimentos mais amplos.

Assim, apresenta-se um rol das principais funções e atribuições que deveriam fazer parte do cotidiano do bibliotecário escolar:

a)      participar ativamente do processo educacional, planejando junto ao quadro pedagógico as atividades curriculares. E isso deve ser feito para todas as disciplinas, acompanhando o desenvolvimento do programa, colocando à disposição da comunidades escolar materiais que complementem a informação transmitida em classe;

b)      fazer da biblioteca um local descontraído, de modo a que os leitores se sintam atraídos para ela;

c)      estimular os alunos, através de atividades simples, desde o maternal, a se envolverem com propostas leitoras;

d)      estimular os educadores a vivenciarem a biblioteca da escola como um espaço pedagógico de educação continuada;

e)      proporcionar informações básicas que permitam ao aluno formular juízos inteligentes na vida cotidiana;

f)        oferecer elementos que promovam a apreciação literária, a avaliação estética e ética, tanto quanto o conhecimento dos fatos;

g)      favorecer o contato entre alunos de idades diversas;

h)      proclamar uma biblioteca para leitores solidários e não para leituras solitárias .

 O que se pretende, com tal comportamento profissional, é fazer com que a biblioteca escolar seja o agente de transformação do ensino, à medida em que provoque mudanças pedagógicas na escola. No caso do Brasil, que passa neste momento por tantas carências e frustrações em vários segmentos da sociedade, principalmente na área educacional, talvez a construção e a conquista coletiva da biblioteca possa transformar a escola em ponto de reencontro, participação e integração. 

REFERÊNCIAS

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FAZENDA, Ivani Catarina. Prática interdisciplinar na escola. São Paulo: Cortez, 1992.

FRAGOSO, Graça Maria. O encontro do autor com o leitor. Revista AmaeEducando, Belo Horizonte, n.219, p.30-31, maio 1991.

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___. Mudar para preservar . Amae educando, Belo Horizonte, n. 305 , p. 17, mar. 2002.

___.Formando Leitor . Revista do Professor . Porto Alegre, n.71, p. 5-8, jul./set.2002.

FREIRE, Paulo. A importância do ato ler. São Paulo: Cortez, 1984.

GUERRA, Rosangela. Uma Bibliotecária assume seu papel de Educadora. Revista Escola, São Paulo, n.58, p.28-9, jun. 1992.

MARTÍNEZ, Lucila; CALVI, Gian . Biblioteca & Escola Criativa: estratégias para uma gerência renovadora das bibliotecas públicas e escolares. Petrópolis: Autores & Agentes & Associados, 1994.

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Library in the school

Abstract

Reflections about the importance of the library in the school. It points the necessity to exist a national agency with intention to take care of specifically of these libraries. It disicuss the importance of the state and municipal secretaries to develop permanent structures in the implementation and maintenance the school libraries. The activities on the school libraries need to be centered in the pedagogical process.

Keywords: School library; Reading; Pedagogical process; Library – school.

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Graça Maria Fragoso

Bibliotecária Especializada em Biblioteca Escolar e Educação
Consultora para Bibliotecas Escolares
Belo Horizonte – Minas Gerais
E-mail: fragoso.bh@terra.com.br 
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, v. 7, n. 1,  p. 124-131, 2002.