BIBLIOTECA ESCOLAR - PROFISSÃO E CIDADANIA1 

Graça Maria Fragoso

Bom dia para todos e agradeço o convite para este encontro.

Inicialmente, lembro-lhes de que sou essencialmente
afeita ao gênero de ‘proseadora’. Consoante a mineira das
montanhas, com noventa por cento de ferro nas veias e cem
por cento de ouro no coração, apetece-me realmente um longo
bate - papo, ao redor do fogão de lenha, acompanhado de pão -
de - queijo e cafezinho. São esses os ingredientes para uma
interlocução legítima entre emissor e receptor, no assunto que
viso tratar.

Convido, portanto, vocês a formarem comigo uma
grande roda de conversa, e nela apresentaremos considerações
coletivas sobre escola , biblioteca , bibliotecários ...

Sou bibliotecária escolar por opção. Educação faz parte
de minha história pessoal : estive sempre vinculada a ela.
Nasci numa família de educadores – minha bisavó foi a
primeira professora formada a atuar no Estado do Rio de
Janeiro. Com meus pais , vivenciei a leitura como um grande
prazer. Ela estava presente em seu cotidiano. Mesmo na labuta
diária ainda encontravam tempo para usufruir das linhas e
tecer longos textos. Não era difícil encontrá-los com livros ,
jornais e outros documentos escritos nas mãos. Lembro-me
sempre de meu pai , recortando jornais para levar para aqueles
que com ele trabalhavam, e de minha mãe coletando as
novidades cotidianas. Penso que aprendi assim a fazer
hemeroteca. Nossas noites eram sempre finalizadas com
longos bate – papos e histórias e apresentações cênicas .

Educação é campo instigante, dinâmico, sem rotinas e
sempre em movimento . Educação me seduz e me faz bem.
Atuar na formação de um ser humano é uma emoção difícil de
ser descrita - uma aproximação onde o afeto está presente
efetivamente. O cotidiano escolar fica melhor com carinho e
afeição .

Atualmente, são várias as dificuldades que enfrentamos
como educadores. Nossas escolas são palco de violência ,
nosso sistema educacional vem se deteriorando a cada dia,
reflexo de uma sociedade voltada para o ter em excesso e a
escassez do ser. Mudanças significativas precisam ser ativadas
para que possamos atuar dignamente na formação de nossas
crianças e jovens .

Hoje vivemos o problema da falta de tempo. Uma era de
ansiedades, questionamentos , velocidade e obsolescência. A
novidade – tudo é passível de mudança - o celular antes apenas
um aparelho para agilizar e facilitar a comunicação, hoje é
máquina fotográfica, câmera de vídeo e muito mais. O tênis
faz correr , carro é fetiche de poder assim como enciclopédia é
fetiche do conhecimento e esperança é fetiche do amanhã ...
De um lado os com telas, do outro os sem telas ... e sem
necessidades básicas de sobrevivência – como saúde,
educação, alimentação, saneamento básico etc ... etc

É nesse emaranhado de mídia e de médias que educamos
– nelas a cada momento é estampado com exclusividade –
morte de índio e garçom por brincadeira e de pai e mãe por
amor. Entristece-nos ver que a cada dia nossos jovens estão
enfraquecidos por estarem longe das necessidades mais
simples e desde sua idade mais precoce. Leitura não faz parte
desta geração que zapea. Não lêem porque livro não tem
controle remoto para folhear as páginas e concentrar é perda
de tempo. E nas salas de aula querem zapear até o professor .

Assim, atentos a estas dificuldades é que devemos estar
sintonizados ao papel da biblioteca na escola, um local de
estímulo e motivação para a leitura como instrumento de
aprendizado. Só superaremos o grave drama pela qual
passamos se construirmos uma sociedade leitora pautada em
valores éticos e solidários.

Portanto, cabe a nós, bibliotecários, despertar da letargia
em que se encontram nossas bibliotecas escolares, que
dormem profundamente na maioria das escolas brasileiras.
Elas são estereotipadas por aqueles que não a vêem como um
centro difusor de conhecimento .

São invariavelmente distorcidas as visões que se
costumam ter de uma biblioteca. Ora é lugar sagrado, onde se
guardam objetos também sagrados para desfrute de alguns
eleitos. Ora, sob uma óptica menos romântica , é apenas uma
instituição burocratizada, que serve para consulta e pesquisa ,
assim como para armazenar bolor, cupim e traças. Para
poucos , aqueles que a freqüentam assiduamente, ela constitui
o local do encontro com o prazer de ler, conhecer, informar-se.

O fato é que, quando se trata de Brasil, a maioria das
pessoas desconhece o verdadeiro papel de uma biblioteca em
suas vidas . E esta afirmação se aplica tanto aos usuários
potenciais quanto àqueles que de um modo ou outro têm
responsabilidade pelo seu funcionamento .

Por inúmeras razões, as bibliotecas escolares brasileiras
estão ainda longe de cumprir sua importantíssima função
dentro do sistema educacional. Poucas instituições dispõem de
recursos e visão necessários (duas condições que nem sempre
andam juntas...) para manter uma biblioteca digna desse nome.
E raros são os profissionais empenhados em prestar serviços
que realmente dêem alicerce ao aprendizado e à vida cultural
da escola .

Pensamos , porém que eles existem e estão começando a
se desenvolver, ainda que discretamente, uma nova imagem da
biblioteca e do bibliotecário escolar. Nestes 19 anos em que
tenho transitado por vários Estados brasileiros, tenho
conhecido pessoas que buscam escolarizar o espaço da
biblioteca (Florianópolis, Goiânia). Não se trata de realizar
nenhum passe de mágica, como costumo citar em meus
apontamentos, embora admita que enfeitiçar a comunidade
escolar faça parte de meu trabalho. Trata-se apenas de tornar a
leitura – em toda a amplitude desse conceito – uma extensão
natural do cotidiano escolar e a biblioteca um ambiente
cultural.

Consciente de que nossas bibliotecas escolares
necessitam com urgência serem redimensionadas , traçamos as
carências profundas na sua performance . Fundamentalmente
estabelecem-se as principais dificuldades in loco - o espaço
físico , o acervo , o profissional e métodos leitores.

Antecipando-se a elas , está a ausência de um programa
nacional para bibliotecas escolares . Nada de atitudes
simplistas e eleitoreiras – como distribuição de livros
(Programa Literatura em Minha Casa – MEC - 21 milhões de
exemplares para 126 692 escolas publicas que atendam turmas
de 4 . série. Receberão os livros 3,5 milhões de estudantes).
Estes muitas vezes não chegam às mãos dos leitores. e estão
estocados em salas administrativas ou trancafiados em
bibliotecas. Não existe um programa oficial que defina com
clareza a biblioteca como direito e deva ser incorporada ao
projeto pedagógico, através de ações concretas que
estabeleçam critérios para o espaço físico, o acervo e o
profissional.

Sobre o espaço físico, na maioria das vezes, apenas
contamos com locais mal arejados e ausência completa de
salas. Em locais improvisados , guardam-se alguns livros.
Assim, a biblioteca continua a constituir-se em um depósito
provisório da memória, das idéias e do pensamento
emancipador da realidade brasileira.

Em seguida, tracemos o perfil do acervo. Livros
didáticos são as fontes de referências geralmente utilizadas.
Registra-se passivamente a ausência de política de seleção e
aquisição. Aqui abro um parênteses - vejo como necessário
que as editoras adotem uma nova política para distribuição dos
livros didáticos , que acabam indo parar nas bibliotecas das
escolas. A função do livro didático não é ser fonte de
referência.

Consideramos, em conclusão, a carência profissional .
Falamos, então, das virtualidades do bibliotecário escolar.
Quais serão elas? Na maioria das vezes, concebemos apenas a
dimensão de profissionais burocráticos, sem emoção, sem
empatia verdadeira e sem compromisso pedagógico com a
instituição. Nesse estado letárgico, aguardam ansiosos a saída
do último leitor, a fim de apagarem as luzes. Dessa forma,
também se apaga a esperança de todos aqueles que penetram
surdamente no reino das palavras, em busca de soluções para
os seus problemas cotidianos. Numa visão universalista,
mofam as idéias de melhoria na educação e no progresso do
nosso país, sempre esquecido e tão grandioso.

Mediante essa incursão pelo mundo pouco transparente
da biblioteca escolar, chegamos à conclusão de que tudo é
escasso. Tal espaço seria, em outra situação, privilegiado e
distinto como local do diálogo e troca de experiências para o
educando e educador brasileiro. Trata-se aqui de partirmos
para mudanças significativas: a biblioteca conforma-se como
ambiente de fundamental importância, no interior da
instituição de ensino. Estas agora se transformam em shopping
culturais, as instituições particulares vendem o “produto”
educação em outdoor e classificados dos jornais e revistas. Por
apenas alguns reais, você pode optar por esta ou aquela escola
e desfilar com camisetas, bonés, mochilas, agendas, etc. As
instituições públicas ficam à mercê de projetos políticos .
Percebemos, no entanto, que raramente a biblioteca é
mencionada como um recurso a mais para implantação da
proposta pedagógica.

E então? Como transformá-la num espaço catalisador de
transformações sociais?
Acreditamos que mudanças surgirão, à medida que a
comunidade escolar - bibliotecários, educadores, educandos ,
administradores, pais e funcionários se mobilizarem e atuarem
em ações concretas, acreditando na força dinamizadora e
transformadora de leitura. Bibliotecas fechadas ou "semi
abertas" representam sempre menos consciência cívica e social
dos cidadãos. Nesse campo, caberia abordarmos a situação
específica das crianças e dos adolescentes.

Num país sem tradição bibliotecária, a leitura e a escrita
tornam-se elementos de luxo e não direito ou prazer estético.
Manter uma biblioteca em funcionamento constitui dispêndio
econômico para a escola. Porém, o verdadeiro desgaste
monetário advém da manutenção de crianças e adolescentes
longe de nossas escolas. O futuro do país depende da
qualidade da escola. E só haverá autêntica qualidade quando
existir a presença da biblioteca real no interior da escola.
Aquela gerenciada por bibliotecários especializados que
abraçarem a educação como opção profissional .

Mas quem é este profissional?

Assistimos ao desenvolvimento tecnológico da
humanidade. E conhecemos bibliotecas automatizadas que
atendem com precisão a seus leitores. Uma intrincada rede de
informações faz o intercâmbio destas bibliotecas com o
restante do planeta. A aldeia global torna-se agora uma
realidade virtual. A Internet comprova amplamente a
comunicação irrestrita e avança para o futuro com
imprevisíveis descobertas e acessos tecnológicos. Através da
rede de informação, a Terra fica pequena. Uma volta ao
mundo processa-se em 80 minutos nas modernas bibliotecas.
Se Júlio Verne estivesse vivo, certamente descreveria longas
viagens além da galáxia.

Surge, naturalmente, o profissional mais especializado -
o gerente da informação, o cibertecário e ou infortecário
(assim são chamados os bibliotecários atualmente). O ensino
superior oferece possibilidades de graduação como: Ciência da
Informação, Biblioteconomia, Técnico em informação,
Comunicação Tecnologia entre outras ...

Nas bibliotecas escolares, a história é outra. Contamos,
às vezes, com profissionais qualificados, mas sem motivação,
outras vezes sem especialização e aguardando a hora de se
aposentarem. Falamos especificamente do "robotecário",
elemento apático, sem desejo, sem paixão, sem elementos
motivadores que estimulem a máquina da criatividade sempre
presente no cérebro do homem. Ou, ainda, do animador
cultural – cujo enfoque é a dinamização .

Em bibliotecas obsoletas, a tecnologia seria o
entusiasmo e a celebração do belo - tecnologia que denomino
da emoção. Mas esta é conhecida somente por aqueles que
nela atuam com desenvoltura e dinamismo, gerando vida a
nova à comunidade escolar.

O profissional que atua em bibliotecas escolares deve,
antes de tudo, integrar-se afetiva e afetivamente no processo
pedagógico. Sem este quesito básico, sua função será sempre a
de guardião, aquele que conta livros e faz estatística sem
função social.

Precisamos, dentro de nossas bibliotecas escolares, não
de guardiões de acervos, mas de articuladores de ações
dinamizadoras; não de contadores de livros, mas contadores de
histórias; não de estatísticas, mas de qualidade de leitura.

Então, de onde surgirá este profissional? Das escolas de
biblioteconomia certamente não emergirá essa potencialidade,
devido à ausência de mudanças em seus currículos, uma vez
que dali proliferam técnicos. Aqui cito as palavras da
professora Maria das Graças Monteiro de Castro, da
Universidade Federal de Goiânia, “atualmente já não há
espaço para a formação de um profissional com ênfase na
característica tecnicista e reprodutor de normas. O mercado
necessita de um profissional que compreenda a extensão de
seu papel na sociedade, atuando como mediador indispensável
à produção do conhecimento”.

Também não se cogita das escolas que formam
educadores, mas que jamais citam em seus programas as
bibliotecas como parte integrante da escola. De onde surgirá
este profissional que motivará a comunidade escolar - aluno,
professor ou funcionário, para envolvimento com projetos
leitores?

Acreditamos que esta personalidade seja encontrável ao
longo do território brasileiro. Seja ele bibliotecário
especializado ou não, sua atuação dentro da instituição de
ensino dependerá de sua postura e consciência cidadã. Cabe a
este profissional gerenciar com habilidade o espaço
privilegiado da escola, transformando a biblioteca num local
de encontro entre a alegria de ler e o questionamento em torno
do que se quer aprender.

Nossas bibliotecas escolares necessitam de mudanças
que agilizem e que as integrem ao processo pedagógico.
Infelizmente, as decisões hierárquicas, de cima para baixo,
nem sempre vêm ao encontro ao anseio da sociedade.

Leitores solidários serão cidadãos do futuro. Em
conjunto, poderão criar mentalidades novas para a vivência no
terceiro mundo, possibilitando o extermínio dos fatores de
desintegração do povo, como a fome, a miséria, o
analfabetismo.

Para que o processo de conscientização se efetive no
Brasil, apresento algumas recomendações:
1. Que se estabeleça um programa oficial para
bibliotecas escolares – seja no âmbito municipal , estadual ou
federal e que haja a presença do bibliotecário desde a
concepção da proposta até sua implantação.
2. Que as escolas de Biblioteconomia ou Ciência da
Informação ofereçam aos profissionais que optaram por
educação um Curriculum visando à sua futura atuação:
História da Educação e seus pensadores, Etapas do
desenvolvimento da Criança e Adolescente, História da
Literatura, Arte em Geral, Legislação e Ética como prioridade
imediata.
3. Que haja projetos para nossas bibliotecas escolares.
Providenciem-se espaços físicos adequados e que estes deixem
de ser o eterno espaço provisório definitivo.
4. Que nossas bibliotecas escolares sejam gerenciadas
por profissionais leitores conscientes e integrados ao processo
pedagógico e que atuem como gerenciadores de ações
pedagógicas e não como meros guardiãos de acervo.
5. Que os acervos das bibliotecas escolares sejam
estabelecidos através de participação da comunidade escolar.
6. Que a biblioteca escolar possa ser um setor
desburocratizado: todo processo organizacional (manual ou
automatizado) deve ser simplificado e adequado aos interesses
do leitor e às propostas pedagógicas O bibliotecário leitor usa
a técnica para produzir conhecimento .
7. Que as escolas que formam educadores priorizem em
seus currículos as bibliotecas escolares como agentes
catalisadores de transformações sociais, sensibilizando assim
futuros educadores para propostas pedagógicas integradas à
biblioteca.
8. Que nossas bibliotecas escolares surjam da construção
coletiva. A comunidade escolar participa de seu
desenvolvimento. Almejamos uma biblioteca construída por
todos. Um local de convivência e solidariedade.
9. Que os bibliotecários falem... Que participem de
mesas de negociações, que se apresentem para a vida como
cidadãos conscientes de seu papel dentro da sociedade.
Bibliotecário é opção profissional ... cidadania é quesito
fundamental para nossa convivência social.
Enfim, que a burocracia e a política não consigam
emperrar o trabalho dos educadores e dos bibliotecários. Não
se pode esperar de braços cruzados pelo “final feliz”. É preciso
que se somem esforços para que coletivamente possamos atuar
como bibliotecários de bibliotecas escolares reais. Aquelas tão
sonhadas por todos aqueles que acreditam em educação e
leitura como um bem cultural e direito de todo cidadão
brasileiro.

Para encerrar nossa roda de conversa cito, Carlos
Drummond de Andrade, o centenário poeta mineiro: “Tenho
apenas duas mãos e o sentimento do mundo. Não nós
afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

NOTA

1 Conferência proferida no XXI Painel de Biblioteconomia em
Santa Catarina, realizado em 21 e 22 de novembro de 2002,
Florianópolis.

SCHOOL LIBRARY – PROFESSION AND CITIZENSHIP

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Graça Maria Fragoso

Bibliotecária especializada em educação. Consultora em Bibliotecas Escolares.
Belo Horizonte – Minas Gerais
E-mail: fragoso.bh@terra.com.br
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, v. 7, n. 2, p. 240-250, 2002.