LIVRO, LEITURA, BIBLIOTECA ... UMA HISTÓRIA SEM FIM
Graça Maria Fragoso
Rogério Duarte
Resumo: Reflexões sobre a história da leitura, o crescimento
dos acervos e a penetração da leitura nas comunidades da aldeia
global provêm, sem dúvida, da biblioteca. A interferência
dos acontecimentos de qualquer parte do mundo é vista como sistêmica
, em contínuo processo evolutivo do ser humano . Há importância
no ato de ler, centrado em analisar e buscar compreender as mudanças
do sujeito no tempo e espaço, ser histórico-cultural-político
e social. A leitura objetiva interpretar o que foi registrado. Questiona sobre
como se posiciona o leitor na sociedade tão sobrecarregada de informações
e altamente informatizada.
Palavras-chaves: Leitor; Leitura; Bibliotecas; Livro
O verdadeiro ato da descoberta não consiste em descobrir novas
terras, mas em vê-las com novo olhar . Marcel Proust
1 A HISTÓRIA - DO BARRO AO METAL
A necessidade sempre foi a mãe das invenções e do progresso.
Porque precisava comunicar-se, o homem pensante (ou homo sapiens ) sempre
encontrou um meio de fazê- lo – e não só com os homens
de seu tempo, mas com a humanidade futura. De que outro modo explicar, então,
as figuras em cavernas por mãos pré – históricas?Atavicamente
ligada à comunicação, uma outra necessidade nasceu com
o ser humano: a de preservar suas experiências, armazenar suas memórias,
guardá-las de um modo mais perene que a simples transmissão
oral para as gerações posteriores.
Começando pela expressão pictográfica – os desenhos
pré-históricos – a escrita evoluiu para a ideográfica,
em que se utilizavam símbolos (seres materiais com os quais se relacionava
o homem) para representar idéias abstratas. Depois , evidenciou-se
a escrita fonográfica, de que são exemplos os signos criados
pelos fenícios: caracteres representando os sons com que se designavam
objetos e idéias.
A combinação dessas três formas (a representativa, a
simbólica e a fonética) acabou resultando no hieróglifo.
Essa palavra imediatamente nos remete ao Antigo Egito, com suas inscrições
enigmáticas, ainda hoje fascinando estudiosos e peritos.
Mas as mais notáveis contribuições, nesta etapa, podem
ser igualmente creditadas aos caldeus, assírios e persas, povos que
desenvolveram a escrita cuneiforme – ou seja, centenas de combinações
de signos em forma de cunha, que entalhadores esculpiam em tábuas de
argila fina. Podemos, assim, considerar essas placas como “tataravós”
do livro.
O papiro, planta que crescia em abundância às margens do rio
Nilo, desenvolvido pelos egípcios, seria outro suporte da escrita.
Graças à sua flexibilidade, podia ser enrolado e guardado em
estojos especiais.
Foi em Pérgamo, cerca de 165 anos a.C., que começou a florescer
o livro in folio, ou seja, escrito em folhas de pergaminho , ao invés
de rolos. Sendo mais resistente e flexível que o papiro, o pergaminho
- feito da pele de cabra ou de carneiro – podia ser cortado, dobrado e costurado.
Convém lembrar que, a esta altura, o sistema alfabético da
escrita, cuja invenção se atribui aos fenícios, já
havia se desenvolvido e se difundido por toda parte. O alfabeto, com um signo
para cada elemento sonoro da linguagem, simplificara ao máximo a representação
gráfica. Tudo estava pronto, pois, para o próximo e importante
passo : a chegada do papel, abrindo amplas possibilidades, por exemplo, para
as ilustrações dos textos.
Inventado pelos chineses, a partir de matérias- primas como o bambu,
a cana, talos de trigo e fibras de algodão, o papel só passou
a ser utilizado no Ocidente no final do século VIII.
1.1 A Bíblia - uma revolução
Se escrever à mão já era, em si, um processo excessivamente
moroso, reproduzí-lo em número razoável de cópias
constituía trabalho para uma vida. A população do mundo
aumentava e a proporção dos alfabetizados e leitores também,gerando
a necessidade de encontrar um meio para agilizar o processo de gravar a escrita.
Os primeiros tipos móveis inventados com esse fim eram de argila.
No século XV, o alemão Johann Gutenberg apresenta a tipografia,
com caracteres em metal, em substituição aos de madeira existentes.
Em que pesem dúvidas e controvérsias quanto à primazia
da invenção da imprensa, o fato é que seu nome estará
sempre associado a uma autêntica revolução no processo
de comunicação entre os homens.
A célebre “Bíblia de 42 linhas”, em tipos góticos ,
primeiro livro impresso por Gutenberg , é o marco histórico
dessa revolução que significou a possibilidade de produzir livros
em escala.
1.2 Leitura - além do decodificar
É notável a preocupação do homem em guardar
para si ou para os descendentes as informações e o conhecimento
que obtém. Nossa história , pontuada por registros de dados
, na certa sofreu perdas significativas ao longo dos séculos, embora
a intenção de preservar para as gerações futuras
os conhecimentos produzidos num determinado momento histórico muitas
vezes tenha existido.
Partindo do pressuposto da intencionalidade, podemos afirmar que as bibliotecas,
como preservadoras e geradoras de conhecimento, existem muito antes das que
são registradas em compêndios históricos. Consideremos
a biblioteca como um local onde está arquivado um conjunto de "registro
de conhecimento" - seja ele escrito, desenhado ou pintado. Podemos afirmar,
então, que nossas primeiras bibliotecas seriam as cavernas , com sua
arte pictógrafica gravada na pedra, plena de recursos legíveis.
Certamente nossos primitivos antepassados não imaginavam que essas
imagens estariam presentes ao longo dos séculos e que este conhecimento
impresso nas paredes de uma caverna permaneceria muitas vezes indecifrável.
Mas aí está registrada a história da humanidade.
As formas de expressão e de representação que utilizamos
têm como objetivo sistematizar nossa leitura. Entretanto, seu conceito
de leitura ultrapassa em muito a simples transformação de símbolos
(palavras) em idéias. As interpretações de uma mesma
mensagem são bastante diversificadas. Todas as pessoas lêem ,
e nesta leitura interferem significativamente a bagagem de conhecimento, as
experiências, a sensibilidade de cada um.
A leitura que fazemos no dia-a-dia dos fatos expostos tem por objetivo a
interpretação de acontecimentos ou imagens, ainda que não
seja formalizada. Podemos afirmar que lemos durante todo o tempo os sons,
os odores, as imagens, os comportamentos, as transformações
cotidianas. Essa leitura é intrínseca em nossa percepção.
O processo de alfabetização de crianças e adultos é
um exemplo das diferenças entre leituras. Para a criança, a
leitura das palavras é novidade que abre as portas para o mundo do
conhecimento. Para o adulto, o aprender a ler as palavras é oportunidade
de ordenar e estabelecer uma lógica na organização do
mundo, ampliar as possibilidades de interpretação. Porém,
para esse adulto, não é ponto de partida.
Ler, portanto, é analisar e buscar compreender as mudanças.
Objetiva interpretar o que foi registrado. Entretanto, como se posiciona o
leitor , hoje , em uma sociedade tão sobrecarregada de informações
e informatizada?
2 DO ACESSO E DO USO DA INFORMAÇÃO A DISSEMINAÇÃO
DO CONHECIMENTO
Um bom exemplo do processo de leitura e das diferentes escalas de interpretação
dos fatos é a análise que podemos fazer das transformações
políticas, econômicas, sociais e culturais do mundo.
O ponto de partida é a verificação de que a leitura
dos fatos e das transformações se processa através de
informações que nos chegam. Estas viajam de maneira bem mais
veloz que no passado. Por isso, coloca-se tão em moda o termo globalização.
A interferência dos acontecimentos de qualquer parte do mundo contacta
todo o globo. Na verdade, a ocorrência de fatos significativos sempre
afetou o mundo.
O que seria imaginável afirmar é que o tamanho do mundo se
alterou ao longo dos tempos. Sua visão ampliou-se com o acesso a novos
meios de comunicação. Posteriormente, a dimensão e as
distâncias foram reduzidas, com a crescente velocidade das informações.
A informação, que no começo do século demorava
dias para chegar àqueles que a buscavam e ativava a imaginação
em razão das dificuldades encontradas para a precisa divulgação,
se torna instantânea e alcançada por um determinado número
de pessoas . Apesar do limitação de acesso aos menos privilegiados,
ela se faz presente e possibilita transformações sociais , econômicas
, cientificas e políticas.
Podemos assistir a um acontecimento em qualquer ponto do planeta, no exato
momento em que ele ocorre. Podemos nos comunicar com pessoas em qualquer parte
do mundo em segundos. No entanto, nossa história sempre foi marcada
por uma incessante busca de conquistas. Ainda que o objeto a ser conquistado
possa ter variado ao longo dos séculos – posto que há algum
tempo a conquista ideológica e de mercados tem superado a busca por
territórios – os grupos sociais sempre tentaram se firmar através
de suas conquistas. A informação sem ética não
se estabelece como conhecimento .E que arma mais valiosa existe senão
o domínio da informação?
Portanto, julgamos ser necessário analisar criteriosamente: qual
o valor das informações veiculadas, a quem interessa a mera
divulgação de fatos e o que fazer com o excesso destas , processadas
com tanta intensidade? Isso impedirá , na certa, que nos transformemos
em uma sociedade meramente factual - sem senso crítico , analítico
e seletivo .
3 SABER = EDUCAR
Assistimos ao avanço da tecnologia, impulsionado pelo desenvolvimento
da indústria da informática. Apesar do acesso à informação
ter ampliado ao longo dos anos, o seu uso continua responsável pelo
sectarismo social.
Se voltássemos no tempo, seria difícil imaginarmos o avanço
tecnológico que alcançaríamos e a incoerência com
a manutenção da pobreza e das desigualdades. Os quadros de
miséria e a escassez de terras em países da África, Ásia
e América Latina são inadmissíveis. Terras, tecnologia
e recursos a serem investidos não faltam. O que percebemos é
uma absurda concentração desses elementos sob o domínio
e a serviço de poucos.
Ler a realidade em que vivemos é manter a esperança de que
possamos utilizar nossos conhecimentos, buscando transformar as relações
de convivência. É necessário democratizar o acesso às
informações, ampliar o debate, procurar um novo caminho para
o desenvolvimento sustentável e menos desigual.
Nesse ponto, o papel da biblioteca é obviamente importante. As possibilidades
de envolvimento com a leitura a ser realizada nesse ambiente é infinita
. Esse espaço concentra os conhecimentos registrados numa série
de suportes leitores - registrados no papel ou na tela de um computador. Também
abriga pessoas que buscam integração, usufruindo de suas possibilidades.
As palavras, então, são conhecidas, pesquisadas e intercambiadas
e as possíveis mudanças residem na força e na capacidade
de conscientização exercida por elas.
O crescimento dos acervos e a penetração da leitura nas comunidades
da aldeia global provêm, sem dúvida, da biblioteca. Hoje, mais
do que nunca, se reconhece que essa instituição exerce um papel
vital na educação e na formação das pessoas. Daí,
a necessidade de conhecê-la melhor . Para que isto aconteça,
é absolutamente necessário que suas portas estejam abertas para
todos os possíveis leitores .
Estamos perto da possibilidade de termos acesso a um
conhecimento quase universal. Mas isso significa que teremos sociedades melhores
? Roger Chartier
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
BARTHES , Roland . Aula. Trad. Leyla Perrone –Moisés .São
Paulo : Cultrix,1980.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção.Trad.
Hildegard Feist .São Paulo : Companhia da Letras , 1994
CHARTIER, Roger.O poder das bibliotecas.Ensaios .Rio de Janeiro :UFRJ,2001
.
MANGUEL, Alberto. Uma historia da leitura. São Paulo : Companhia
das Letras,1997.
NEVES, Iara Conceição B. et. al. Ler e escrever compromisso
de todas as áreas. Porto Alegre : Editora Universidade ,2000.
OLSON, David R . O mundo no papel : implicações conceituais
e cognitivas da leitura e da escrita .São Paulo: Ática , 1997.
PAULINO, Graça et al. Tipos de textos modos de leitura. Belo Horizonte
: Formato , 2001.
SMITH, Frank. Leitura simplificada. Porto Alegre : ArtMed ,1999
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BOOK, READING , LIBRARY... AN ENDLESS HISTORY
Abstract: Reflections about the history of reading, the collections
growing and the reading penetration in the global village communities comes
among the library. The reading act importance, centered in understanding the
analyzing and searching the individual changes in and at time and space, to
be historical, social, cultural and political human being. The reading process
objective to interpret what is registered. Give some questions about the
reader position at the overloaded information and also computerized.
Keywords: Reader; Reading; Libraries; Book ____
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Graça Maria Fragoso
Bibliotecária e Consultora para Bibliotecas nas Escolas de Ensino
Fundamental e Médio Diretora da Biblioteca Pública Estadual
Luiz de Bessa, Belo Horizonte, MG
E-mail: gra_fragoso@yahoo.com.br
Rogério Duarte
Professor de Geografia do Colégio Santa Dorotéia e autor de
livro didático. Belo Horizonte,MG
E-mail: roger.duarte@globo.com
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis,
v. 9, p. 166-170, 2004.