MÚLTIPLAS DIMENSÕES PARA UM PAÍS DE LEITORES: RESENHA

Francisca Rasche

LINDOSO, Felipe. O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura política para o livro. São Paulo: Summus, 2004.

Felipe Lindoso abarca experiência como editor, ex-diretor da Câmara Brasileira do Livro, “um militante da causa do livro” nas palavras de Sérgio Machado. Lindoso afirma que suas “únicas habilidades reais, cultivadas, são saber ler e escrever” com as quais, “aprendo o que for preciso para sobreviver neste mundo de habilidades múltiplas que enfrentam especializações estreitas.” Esta apresentação inicial serve para indicar um pouco da temática tratada em “o Brasil pode ser um país de leitores?” Pergunta intrigante porque envolve diferentes segmentos e distintos interesses em uma nação ainda jovem no que tange ao desenvolvimento de uma indústria editorial, que carece de um sistema bibliotecário público eficiente, que pouco tem investido em um projeto de educação com informação, dado que na maioria das escolas brasileiras as bibliotecas são relegadas a pequenas salas, nos casos mais críticos, servindo como lugar de “castigo”. O certo é que tais questões não têm recebido um tratamento sério, coerente e responsável em uma sociedade que integra um mercado globalizado, no qual competência para competir passa pelo acesso à informação e por condições de elaborar conhecimento, isso sem mencionar a necessidade da construção de sujeitos críticos e criativos capazes de mensurar a complexidade das relações sociais, políticas e econômicas atuais. Esta temática é discutida por Lindoso com respaldo em diferentes estudos e na sua experiência como escritor, jornalista e editor.

O livro é dividido em três partes. A primeira parte trata da “política da cultura”. Em sua análise, o Autor pontua o que denomina de rupturas e continuidades da política cultural brasileira. No âmbito das continuidades figura o que se estende desde o Brasil Império, com D. João VI: uma política na qual mecanismos de mecenato são os meios pelos quais se investe na produção de bens culturais. Contrapõe-se a isso a questão da difusão dessa produção com  investimentos escassos ou inexistentes. Em relação às rupturas, estas se caracterizam pela descontinuidade de pessoas, programas e trâmites nos órgãos e instituições culturais vinculados ou mantidos pelo Governo Brasileiro, nas diferentes esferas, o qual, a cada nova gestão, impõe novos personagens e roteiros para a gestão cultural.  Tais rupturas são reforçadas pela ausência de uma política de Estado com objetivos claramente definidos em relação à cultura. Falta uma legislação pertinente a cultura no Brasil.

As questões relativas ao “livro e a política cultural” são tratadas na parte II do livro. Neste ponto, Lindoso mostra um pouco da trajetória da indústria editorial no Brasil contextualizando na realidade nacional, ou seja, aponta as condições nas quais ocorre o desenvolvimento da indústria editorial, o que implica em um público ledor, em recursos tecnológicos, em mecanismos de financiamento da produção editorial, de sua distribuição e nos modos de gestão, deste tipo de empresa, com destaque especial para os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Lindoso aborda a participação do Governo neste ínterim por meio de programas de aquisição de livros, especialmente os didáticos, já que as cifras relativas a aquisição de livros de literatura e de outras áreas do conhecimento para suprir demandas de bibliotecas públicas são inexpressivas. As bibliotecas públicas poderiam servir como escoadouros da produção editorial, bem como difusoras desta produção. Não é um exagero afirmar que as bibliotecas públicas vivem de doações, de campanhas, de livros de “segunda mão”. Isso é lamentável quando se trata de instituições que têm por finalidade propiciar o acesso à informação, tanto para o lazer, como para o estudo, para a auto-formação em uma sociedade em que se faz necessário cotidianamente manter-se atualizado, estudando sob pena de se tornar um desempregado inapto para assumir postos de trabalho. O Autor salienta que na Europa Ocidental bem como nos Estados Unidos, no Japão e na Correia do Sul “algo em torno” de 20 a 30% da produção editorial, desses países, é destinada às bibliotecas públicas” (p. 133). Segundo relatório publicado recentemente pelo BNDS, intitulado “A economia da cadeia produtiva do livro” de autoria de Fabio Sá Earp e Georgi Kornis, nos Estados Unidos a receita total gasta pelo governo para compra destinada às bibliotecas perfaz um total de 40% .

Já na parte III, o Autor trata da “globalização e cultura” da indústria editorial. Lindoso resgata o livro como o primeiro objeto cultural globalizado dado que graças à prensa tipográfica permitiu que o conhecimento ultrapassasse as fronteiras geográficas. O Autor trata da circulação da literatura estrangeira no Brasil, bem como dos autores brasileiros e a receptividade dos mesmos em outros países. Aborda também a questão dos conglomerados editoriais no âmbito da indústria da informação. Frente a estes, questiona o espaço para novos autores, quando o livro de fácil consumo escrito por autores já conhecidos ganha a cena. Lindoso trata também dos tão discutidos direitos autorais, os quais, no âmbito econômico são geradores de divisas. Ao retratar o livro como um produto cultural que reflete a memória, a cultura, os modos de vida de um povo, Lindoso chama atenção às bibliotecas públicas nas quais nem sempre encontramos os títulos da literatura nacional. Além disso, não foge da discussão o livro eletrônico, sem esquecer das tecnologias da informação e da comunicação nesse processo.

No que diz respeito à produção e difusão do livro, vários personagens entram em cena: autor,  editor, livreiro, bibliotecário, professor, político, leitor. No Brasil, o leitor é um personagem ainda em formação dado que os números que tratam do analfabetismo e do analfabetismo funcional ainda são preocupantes. Além disso, a leitura constitui uma prática, um exercício, e para tal precisa de um espaço propício para sua realização. O leitor precisa de condições para acessar o livro. Conforme Earp e Kornis (2005), o livro produzido no Brasil é um dos mais baratos do mundo, mas levando em consideração a renda do brasileiro, seu custo se iguala ao livro produzido na Alemanha, um dos mais caros do planeta. Um país de leitores é uma construção, um processo, envolve sim uma diversidade de interesses, mas depende muito da boa vontade política. O fato é que no século XXI não há como fugir da necessidade de se formar leitores, de propiciar mais espaços de acesso e a meios de leitura! É urgente, é econômico, social, político e cultural.

“O Brasil pode ser um país de leitores?” é um convite para uma reflexão que descortina soluções diante dos desafios elencados, portanto, é um livro que propõe “esperança” para os caminhos do livro e da leitura. Recomendado a todos que se interessam por livros, leitura e bibliotecas, enfim, para aqueles que se preocupam com um país de leitores e os múltiplos significados deste empreendimento.

REFERÊNCIA


EARP, F. S., KORNIS, G. A economia da cadeia produtiva do livro. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Social, 2005. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/conhecimento/ebook/ebook.pdf> Acesso em: 20 ago. 2005.
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Multiple dimensions for a country of readers: book review


Francisca Rasche

Professora no Departamento de Ciência da Informação da UFSC
Mestre em Ciência da Informação (UFSC)
 Graduada em Biblioteconomia (UFSC)
Vice-presidente da Associação Catarinense de Bibliotecários – Gestão 2005-2007
E-mail: fran_rasche@yahoo.com
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis, v. 10,  n. 2, p. 295-297, jan./dez., 2005.