REFLEXÕES ACERCA DO PAPEL DO BIBLIOTECÁRIO DE BIBLIOTECA
ESCOLAR
Clarice Fortkamp Caldin
Resumo: Destaca a importância da biblioteca escolar na difusão
e fomento da leitura. Apresenta reflexões acerca das atividades do
bibliotecário da biblioteca escolar. Salienta que a seleção
do acervo bibliográfico é de sua responsabilidade e competência.
Incentiva o bibliotecário a ser um leitor ávido, complementando
com autodidatismo suas deficiências literárias com a finalidade
de obter cultura geral.
Palavras-chave: Leitura; Biblioteca escolar; Bibliotecário;
Acervo bibliográfico
1 INTRODUÇÃO
O êxito de uma biblioteca escolar em cativar leitores depende de duas
variáveis: do acervo bibliográfico e do profissional que nela
atua. A qualidade do acervo encontra-se condicionada a vários
fatores externos à figura do bibliotecário, mas é passível
de ser contornada pela criatividade, pelo empenho e pelo senso de responsabilidade
social desse profissional da informação.
Além de despertar o gosto pela leitura como forma habitual de lazer,
um dos objetivos da biblioteca escolar é a formação do
cidadão consciente e capaz de um pensamento crítico e criativo.
Isso significa uma maior participação do bibliotecário
no processo cultural do qual fazem parte, também, os professores, pedagogos,
escritores e pesquisadores que vêem na leitura um ato de conscientização
do indivíduo.
Portanto, o papel que cabe à biblioteca escolar e, por extensão,
ao bibliotecário que nela atua, é o de estimular, coordenar
e organizar o processo de leitura para que, por meio dela, a criança/adolescente/jovem
aumente seus conhecimentos, sua capacidade crítica e reflexiva que
lhe permitam atuar melhor na sociedade. Está superado o conceito tradicional
de que a biblioteca escolar seja um depósito de livros doados pelo
Governo ou por particulares para complementar o programa de estudos. Sua função
agora é a de ser um centro de informação e cultura.
2 O PAPEL DO BIBLIOTECÁRIO DE BIBLIOTECA ESCOLAR
Muito embora alguns bibliotecários se preocupem apenas com a função
educativa da biblioteca, a maioria acredita e defende que ela tem uma função
cultural a desempenhar. Esses últimos preocupam-se em transformar a
biblioteca em um mecanismo real para a formação da consciência
crítica do educando. Há muito que se fala da neutralidade da
biblioteca. Mas, o saber registrado não é neutro. Por esse motivo,
o material que compõe o acervo das bibliotecas escolares necessita
ser bem selecionado para que represente a expressão de várias
correntes de pensamento sobre um mesmo conhecimento.
Assim, há que se ter muito cuidado com as doações:
nem sempre é por acaso que organizações nacionais e
internacionais fazem doações de livros - elas sabem que a leitura
é um dos melhores instrumentos para disseminar idéias.
O bibliotecário tem uma responsabilidade enorme, pois dependerá
dele (de seus próprios valores e crenças), o resultado das ações
efetuadas dentro da biblioteca. Se ele considerar a educação
em um sentido amplo, não limitado somente ao ensino, mas, principalmente,
voltada à formação de hábitos e atitudes
do aluno, ele não se restringirá a ser um mero técnico-administrativo
a serviço da escola. Ele irá lutar pela conquista da igualdade
de oportunidades sociais que possibilitem a todos os estudantes o acesso ao
conhecimento registrado.
Mueller (1990) em tempos idos falava que a maioria dos bibliotecários
encarava o conhecimento como algo pronto para ser adquirido, consumido e reproduzido.
É bom lembrar que os bibliotecários das décadas de
setenta e oitenta, passaram por um processo escolar que não trabalhou
com a leitura crítica/ativa/prazerosa. Receberam sempre o conhecimento
acabado, estático. Tal não se justifica mais. Os novos currículos
dos Cursos de Biblioteconomia têm se preocupado em preparar o acadêmico
para o exercício crítico por meio de leituras reflexivas a respeito
da nova sociedade, a sociedade da informação. Não se
vive mais em um mundo tradicional. Como bem afirmou Calixto (1994) para o
indivíduo sobreviver em uma sociedade de verdades efêmeras, ele
necessita de atualização sistemática.
Em um mundo em constantes mudanças, globalizado, não cabem
mais os procedimentos ditos tradicionais. O bibliotecário tem de largar
seu papel passivo, de mero processador técnico de livros e desempenhar
um papel ativo: agente de mudanças sociais.
Tem de lembrar que é um educador, que uma das funções
da biblioteca escolar é ensinar o aluno a pensar e, portanto, é
sua função também ensinar os usuários a pensar,
refletir e questionar os saberes registrados - verificar a pertinência,
validade, aplicabilidade das idéias contidas nos livros.
Tem de lembrar, também, que os novos tempos exigem que a escola (professor
e bibliotecário) esteja apta a preparar o indivíduo para a sobrevivência
nessa sociedade em rápida e constante mutação. Em vista
disso, Souza (1999) levanta a questão: que profissional é
o bibliotecário? Assim, quanto à sua identidade profissional,
deve-se indagar sobre seus objetivos e responsabilidades, seu valor para a
sociedade e status entre as demais carreiras profissionais e, conseqüentemente,
o nível de sua remuneração; quanto à organização
da profissão como área do conhecimento, deve-se indagar sobre
a forma pela qual está organizada – como carreira profissional ou como
campo de investigação, como se processa sua formação
profissional e como se comunica com seus pares; quanto à relação
com o usuário, deve-se indagar como vê o usuário da biblioteca
e como esse o vê; quanto ao desempenho profissional, deve-se indagar
em que consiste sua excelência, o que considera sucesso ou fracasso,
se está buscando emprego ou trabalho.
Essas indagações deveriam ser feitas por todos os bibliotecários,
pois somente aqueles que responderem com franqueza os problemas levantados
poderão atender eficientemente os usuários. E no caso das bibliotecas
escolares, essa é uma necessidade imperiosa. Como trabalhará
com o indivíduo em formação, tais bibliotecas têm
de ser um local de acesso democrático às informações,
onde o ato da leitura signifique refletir, estar a favor ou contra dos pensamentos
registrados, trocar idéias com colegas, posicionar-se, enfim, exercer
a cidadania.
Para que tal aconteça, torna-se necessário um acervo diversificado.
Ao lado dos livros didáticos (que ajudam na compreensão do conteúdo
curricular) e dos de entretenimento (para o lazer e o prazer), há
que constituir o acervo de uma boa biblioteca escolar livros que promoverão
a formação social, intelectual, cultural e crítica (literatura,
filosofia, psicologia e ciências afins).
A biblioteca é um espaço cultural, criado e mantido para o
usuário. Quem o cria e o mantém? O bibliotecário. Se
ele cria e mantém esse espaço cultural, tem a obrigação
de ser culto. Originalmente o bibliotecário devia ser, antes de tudo,
um erudito. A explosão bibliográfica transformou-o em um técnico
sem erudição. Esse foi um erro da Academia, colocando no currículo
dos Cursos de Biblioteconomia uma maciça dose de disciplinas técnicas
em detrimento das humanas e sociais. Então o bibliotecário
deve, por si mesmo, buscar o que perdeu: ser um auto-didata em cultura geral.
Não é possível ler todos os livros, mas ler todos
que for possível – essa deveria ser a palavra de ordem dos bibliotecários
interessados em adquirir e garantir um acervo de qualidade.
Se a biblioteca é um organismo vivo, dinâmico, seus profissionais
têm de agir com dinamismo, driblando as dificuldades financeiras e entraves
burocráticos das bibliotecas escolares, principalmente as da rede
pública. Aqui entram em jogo suas habilidades diplomáticas e
competências argumentativas para montar um acervo rico e diversificado.
O bibliotecário é o profissional que tem contato com os leitores,
conhece seus gostos, interesses e necessidades. Está perfeitamente
gabaritado para atuar como crítico na seleção do acervo.
Se o bibliotecário se comportar com o um leitor ávido, não
ficará temeroso em listar obras que a biblioteca deverá adquirir.
Trabalhar em parceria com os professores – sim, delegar a tarefa de selecionar
as obras exclusivamente aos professores – jamais.
Há que se destacar a importância da literatura infanto-juvenil
nas prateleiras das bibliotecas escolares para o fomento da leitura. Quando
as universidades brasileiras descobriram que o jovem não sabia escrever
porque não lia, houve uma preocupação em incentivar o
ato da leitura no ensino básico, e as editoras investiram na literatura
infanto-juvenil, apostando em um retorno financeiro. Surgiram então
as obras de autores chamados Filhos de Lobato. Essa nova literatura perdeu
o didatismo característico dos textos direcionados à criança.
Assim, na década de setenta, a literatura infanto-juvenil, travestida
de contos de fadas modernos, questionava o autoritarismo do governo militar
e se configurava como uma forma de denunciar o governo, a opressão
e a censura. Na década de oitenta o estético ficou prejudicado,
pois as escolas, aliadas das editoras, se preocupavam apenas em apresentar
a literatura infanto-juvenil com o um meio de formação e de
informação. Desde a década de noventa o livro infantil
conseguiu mais espaço no mercado editorial brasileiro, pois apresenta
textos inovadores, questionadores, com uma nova proposta cultural e
técnicas narrativas contemporâneas, que transformam a leitura
em uma atividade prazerosa e crítica ao mesmo tempo, seduzindo a criança
para o exercício da reflexão.
Fica a pergunta: está o bibliotecário da biblioteca escolar
ciente do que é a boa literatura infantil? Os critérios que
alguns teóricos apontam na escolha da boa literatura infantil seriam:
apostar na inteligência da criança; verificar se o livro infantil
é arte ou se confunde com didatismo e moralismo; fugir do corriqueiro
e do banal; provocar emoções; ser instigante; proporcionar prazer.
Caldin (2001) listou alguns aliados do bibliotecário na seleção
de livros infantis: os concursos literários nacionais e internacionais,
as feiras nacionais e internacionais, os catálogos de autores, e a
crítica literária de teóricos da literatura infantil.
Para a seleção de material das diversas áreas do conhecimento,
necessárias e suplementares à formação do educando,
o bibliotecário pode contar os catálogos de editoras, os suplementos
literários dos jornais e das revistas e, sobretudo, com a internet.
Com tantos subsídios à sua disposição, como
pode o bibliotecário furtar-se ao seu papel de crítico no momento
da seleção do acervo? Naturalmente não existirá
uma biblioteca escolar completa. Isso é uma utopia, em um país
de esfomeados, desempregados, analfabetos, desesperançados, em um país
onde Educação não é prioridade. Mas o bibliotecário
deve fazer o seu melhor. Isso é o que a sociedade espera dele. Independentemente
de salário, condições de trabalho, tempo disponível
ou ânimo. Foi para atender bem a sua comunidade de leitores que ele
escolheu, dentre tantas, essa profissão.
3 CONSIDERAÇÕES
Cabe lembrar que nesse país a criança tem pouca chance de
desenvolver um senso estético e um senso crítico apurados.
Então, eis aí a essência do papel do bibliotecário:
fazer da biblioteca escolar um centro promotor da leitura.
Mas, para isso, o bibliotecário precisa gostar de ler. Se, até
o momento, não despertou para as delícias de uma boa leitura,
então está na hora de começar! Basta desligar a televisão
e pegar um bom livro. Se o bibliotecário concordar com Borges (1987)
que chamou o livro de o instrumento mais espetacular dos utilizados pelo homem,
fará uso desse instrumento com a finalidade de obter o aprimoramento
intelectual e desenvolver a criticidade, transformando-se em um leitor seletivo
que aprende a separar o joio do trigo nessa plantação imensa
e descontrolada que é o universo de informações registradas.
Para começar essa nova fase de sua vida de bibliotecário-leitor,
precisa desenvolver o prazer em escolher um livro, folhear, ler, absorver
os pensamentos apresentados, refletir sobre eles, formar opiniões.
Precisa atentar para a necessidade da leitura crítica, não escravizada
pelas ideologias opressivas. Ao recordar que quem lê está apto
para escrever, o bibliotecário-leitor pode adquirir competências
para a escrita criativa, divulgando aos seus pares experiências enriquecedoras
de leitura no exercício da profissão por meio de artigos publicados
em revistas da área.
Para que tal aconteça, precisa esquecer, nesses momentos, a leitura
técnica realizada todos os dias para a catalogação, classificação,
indexação. Deixar de lado a folha de rosto, a orelha do livro,
o sumário, o índice. Precisa saber concentrar-se no texto.
Passear pelas suas folhas, acompanhar as personagens em suas peripécias,
os filósofos em seus argumentos, os cientistas em suas descobertas.
E um novo mundo irá se descortinar: de poesia, lirismo, conhecimento,
informação.
Eis pequenas atitudes com grandes possibilidades de aprendizado intelectual,
cultural, profissional e pessoal.
REFERÊNCIAS
BORGES, Jorge Luis.
Cinco visões pessoais. Tradução
de Maria R. da Silva. 2. ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília,
1987.
CALDIN, Clarice Fortkamp. O bibliotecário, a criança e a literatura
infantil: algumas ponderações.
Rev. ACB: Biblioteconomia
em Santa Catarina, Florianópolis, v. 6, n, 1, p. 111-128, 2001.
CALIXTO, José Antônio. A Biblioteca pública versus Biblioteca
Escolar: uma proposta de mudança.
Cadernos BAD, v. 3, p. 57-676,
1994.
MUELLER, Maria Stela. Comunicação, informação,
biblioteca; uma abordagem integradora – um questionamento.
Rev. Esc. Bibliotecon.
UFMG, Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 7-23, mar. 1990.
SOUZA, Clarice Muhlethaler de. Desenvolvimento e qualificação
profissional: desafios profissionais do século XXI.
CFB Informa,
Brasília, v. 4, n.4, p. 9-10, fev. 1999.
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REFLECTIONS CONCERNING SCHOOL LIBRARIAN PAPER
Abstract: Emphasize the importance about the school library to the
reading dissemination and promotion. It presents reflections concerning the
activities of the school librarian. Salient that the selection for bibliographical
colection is a librarian responsibility and ability. Encourage librarians
to be an eager reader, to be a self-taught person by complementing its literary
deficiencies with the purpose to get general culture.
Keywords: Reading; School library - librarian; Bibliographical collection.
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Clarice Fortkamp Caldin
Mestre em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina
Doutoranda em Literatura na Universidade Federal de Santa Catarina
Professora no Departamento de Ciência da Informação,
no Centro de Ciências da Educação, na Universidade Federal
de Santa Catarina - Florianópolis
E-mail:
claricef@matrix.com.br
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis,
v. 10, n. 2, p. 163-168, jan./dez., 2005.